quarta-feira, agosto 29, 2007

A extinção da classe média

Acasos de modesta linhagem e limitados recursos posicionaram-me na classe média, essa abstracção sociológica e económica que serve para classificar um numerosíssimo grupo de cidadãos activos. Porém, esta categoria social corre hoje sérios riscos de extinção, fruto da proeza dos sucessivos governos em implementar medidas para liquidá-la, mesmo sabendo-se que a classe média é o motor do desenvolvimento de um país que, como Portugal, almeja ombrear com os do "pelotão da frente" e, pelo contrário, persiste em sofrer um endémico atraso sócio-económico.
Com efeito, a classe média não configura um estrato social originalmente abastado, mas sim uma categoria de indivíduos cujo estatuto é adquirido a custo, pelo seu trabalho e economizando eventuais poupanças e gerindo parcimoniosamente empréstimos bancários. Para ser bem sucedido a médio e longo prazo, o indivíduo-padrão da classe média tem de proceder a uma responsável engenharia orçamental, evitando a todo o custo adoptar como modelo o novo-riquismo saloio e burgesso a que é comum assisitir-se publicamente em tantas circunstâncias da quotidiana existência desta sociedade escravizada pelo paroxismo consumista.
É bom estar atento a estatísticos indicadores relativos a outros países, os quais podem servir de boas referências e inspirar práticas racionais que contrariem o excessivo e supérfluo endividamento de inúmeras famílias, de que o caso português é infelizmente paradigmático. Por exemplo, Portugal tem hoje mais carros em circulação do que a Espanha ou a Bélgica, países com um PIB bastante superior, mas deve esta proeza automobilística ao enorme endividamento, creditício da sua classe média; e, em flagrante contraste, um trabalhador português ganha, no mínimo, três vezes menos do que um congénere espanhol.
A carga fiscal com que o Estado tributa a classe média e a facilidade muitas vezes absurda de concessão de crédito, mesmo o pequeno, vem agravar a tentação consumista e, assim, está montado o processo que conduz ao crédito mal-parado e à falência de agregados familiares sobretudo oriundos da classe média. Não é de estranhar, portanto, que as instituições bancárias apresentem lucros-recorde ano após ano, num obsceno exercício contabilístico que tem a protecção e o aval dos governos, um após outro.
Como é triste fazer figura de rico sem gastar um tostão...

segunda-feira, agosto 27, 2007

Ipsis verbis [8]

"Mas a apetência da instituição pelo dinheiro sempre foi enorme, bem conhecida, e atravessa os dois milénios da sua história. Constantino comprou-a e a Igreja deixou-se comprar. Depois, ao longo dos séculos, há uma sucessão impressionante e contínua de crimes, de roubos, de saques, de extorsões, de guerras, de negócios escuros, de chantagens e ameaças, directamente comandados pela Cúria romana, cujo alvo exclusivo é a apropriação da riqueza. Foram as cruzadas, as violências contra os albigenses, os templários ou os hussitas; a escravatura, os negócios das armadas, a exterminação dos judeus, as guerras religiosas, a participação activa com os imperialismos. Tudo isto rendeu à Igreja de Roma milhões e milhões. (...) O seu objectivo central é a acumulação e o lucro. Basta ver-se, nos tempos que correm, como é impressionantemente poderosa a rede de interesses comerciais do Opus Dei e como hipocritamente os bispos fingem ignorar essa realidade obtida à custa da exploração do Homem. (...)
"Todo o poder vem de Deus". Por isso, a Igreja honrou a memória de Constantino e apadrinhou os grandes senhores absolutos da História. Ao chegar ao século XX prosseguiu, firmemente, a mesma senda. Apoiou Hitler e Mussolini, não lhe importando os horrorosos crimes de que foram responsáveis. Tornou-se sustentáculo insubstituível dos regimes fascistas de Franco e de Salazar. (...) O Vaticano foi, ou é, o grande escudo protector de Pinochet, Videla, Stroessner, Savimbi, Gorbatchov, Boigny, Waldheim e de milhares de outros pequenos ou grandes criminosos. (...)
O Vaticano invoca a sua autoridade espiritual mas entrega a gestão dos seus dinheiros aos monopólios mundiais. O Papa declara-se viajante da Fé mas consente que as suas digressões pastorais sejam pagas pela BIC, pela Coca-Cola, pela Mercedes-Benz e por outros impérios financeiros."
- Jorge Messias, «O Crepúsculo dos Deuses», Campo das Letras, 2001, pág. 209 - 213

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Legendar o silêncio icónico (63)

A sensualidade do umbiguinho à mostra!
(Nem só de dietas se faz a moda!)

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sábado, agosto 25, 2007

Primum vivere deinde philosophare - 59

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Tooneladas de siso - 8º quilo

quinta-feira, agosto 23, 2007

Serão precisos mais 80 anos?

Em 31 de Maio de 1921, no Tribunal de Dedham (EUA), teve início o histórico julgamento de Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, sob um aparato policial inaudito: o exterior era patrulhado a cavalo e de motorizada, e a sala da audiência foi alterada com portas deslizantes anti-bomba e grades de ferro nas janelas. Os réus eram dois anarquistas nascidos na Itália, acusados de roubo e homicídio. Desde a acusação que o julgamento foi injusto, sobretudo por decorrer numa conjuntura fortemente influenciada por pressões anti-anarquistas, anti-imigração e anti-italianas. Nesta época, os radicais anarquistas italianos encabeçavam a lista dos subversivos perigosos dos EUA, tendo sido acusados de diversos crimes.
Apesar de Sacco e Vanzetti terem apresentado provas objectivas e irrefutáveis da sua inocência, o juíz Webster Thayer, o advogado de acusação Frederick Katzmann e o júri relevaram mais as posições políticas dos réus, do que as provas inequívocas. Katzmann chegou mesmo a insinuar que Sacco não tinha combatido na Grande Guerra porque falava mal inglês e não amava os EUA, mas somente o seu salário; e Thayer declarou ao júri que Vanzetti talvez não tivesse cometido o crime de homicídio que lhe era imputado, mas que era todavia culpado por ser inimigo das instituições norte-americanas.
As provas apresentadas pela polícia revelaram-se equívocas e as testemunhas de acusação duvidosas, num cenário delatório forjado para incriminar Sacco e Vanzetti e assim obter dois bodes expiatórios. Daí que ambos tenham sido considerados culpados e condenados à pena de morte. Nem mesmo o recurso que apresentaram (com base no facto de, por coincidência, terem encontrado na prisão de Dedham um imigrante português, Celestino Madeiros, que confessou ter sido ele quem cometeu de facto os crimes atribuídos aos infelizes anarquistas italo-americanos) demoveu o juiz Thayer e o Supremo Tribunal Judicial.
Sacco e Vanzetti foram executados por electrocussão em Massachussets, em 23 de Agosto de 1927; faz hoje 80 anos. Em 23 de Agosto de 1977, Michael Dukakis, o então governador deste Estado, publicou uma proclamação que efectivamente absolvia os dois homens do crime. Lamentavelmente, tratou-se de uma absolvição póstuma e a injustiça cometida, bem como o importante impacto que o caso teve em 1927, não serviram para eliminar as mesmíssimas injustiças que actualmente estão relacionadas com a aplicação da pena capital, muitas das quais ainda relacionadas com o fenómeno da imigração.
Para os leitores deste blogue que queiram saber mais sobre o caso Sacco e Vanzetti, aqui ficam as referências a um documentário, ao trailer do filme «Sacco & Vanzetti», de 1971, e a imagens do funeral dos malogrados homens. Para pôr fim à pena de morte, com o qual se têm feito inúmeros obscenos crimes de Estado, serão precisos mais 80 anos?

quarta-feira, agosto 22, 2007

Os poderes do Prof. Karamba

Parece ser uma moda que veio para ficar, a de distribuir folhetos publicitários e opúsculos afins colocando-os sob as escovas dos limpa pára-brisas dos carros estacionados - duvido da legalidade de tal método de divulgação. Porém, desta vez deparei-me com uma preciosidade alusiva aos invulgares e sobrenaturais poderes de um charlatão com o burlesco nome de «Professor Karamba» (o 'k' dá uma certa dimensão simultaneamente mágica e internacional!).
Reza laudatoriamente o quadrado de papel fotocopiado que esta personagem tem um "dom hereditário [do pai ou da mãe?], ajudou muitas pessoas em todo o mundo [e ainda não foi laureado com um Nobel?] em casos de [qual loja dos trezentos!]: amor, recuperação de empresas, inveja, mau olhado, falta de sorte, grandes problemas financeiros, problemas judiciais, falta de confiança em si próprio, doenças espirituais, dificuldade em engravidar, impotência sexual, problemas com álcool e drogas, falta de vitalidade e outros casos sem explicação." Em tamanha variedade terapêutica certamente deve incluir-se a adivinhação da chave sorteada do «loto» ou do «euromilhões»...
É de homens destes que o mundo efectivamente precisa para ombrear concorrencialmente com os Gato Fedorento, pois levam até às lágrimas as incontidas gargalhadas que uma tal prosa provoca - este «professor» devia ser canonizado! Evidencia mesmo uma réstia de ético escrúpulo (sim, que nestas «profissões» também há deontologia!) no meio do embuste que encena, dado que o hilariante prospecto termina com uma frase que deveria servir igualmente de mote ao modo como o Estado remunera os nossos governantes: "Pagamento após o resultado". Caramba!

terça-feira, agosto 21, 2007

O milho dos pombos e o dos parvos

O acto de vandalismo que tem ocupado convenientemente os média nacionais é isso mesmo: um acto de vandalismo. Desvalorizá-lo é pactuar com práticas criminosas e confundir comportamentos imbecis e anómicos com a elevação cívica e a dignidade «eco-ideológica» que caracterizam os genuínos movimentos ambientalistas protagonizados por cidadãos de bem. Nem mesmo é admissível legitimar esse acto considerando-o como um exemplo de "desobediência civil". O recurso a este conceito, por parte dos defensores do bando de delinquentes que compõe o «Verde Eufémia», é abusivo e só por ignorância ou desonestidade intelectual pode ser associado ao presente e destrutivo expediente de arruinar uma parte de uma seara de milho transgénico, em Silves.
Com efeito, foi em 1849 que, num contexto de conflito bélico de definição de fronteiras entre os EUA e o México e no quadro de uma sociedade escravocrata apologista de um sistema esclavagista, Henry David Thoreau publicou um opúsculo de vinte páginas intitulado «Civil Disobedience», no qual, batendo-se por valores humanistas, concebeu a «desobediência civil» como a oposição a situações de violência e de injustiça mantidas ou fomentadas por um Estado ou regime político; e não a acção violenta contra indivíduos. Para Thoreau, a «desobediência civil» deve ser também uma desobediência civilizada e daí que tenha posteriormente inspirado personalidades como Luther King ou Gandhi, que desenvolveram formas de protesto deliberadamente não-violentas.
É caso para dizer que, neste triste episódio no Algarve, foi pior a emenda que o soneto, prejudicando-se a imagem pública da luta pela preservação ambiental. Definitivamente, está fora do campo semântico deste conceito a devastação de meia-dúzia de maçarocas geneticamente modificadas e propriedade de um particular agricultor. Até inocentes pombos perceberiam essa diferença!

segunda-feira, agosto 20, 2007

Em ninho de cucos / 5

No estertor da morte, a mana Lúcia, reclusa de recônditos claustros, denunciou com o agónico olhar a paixão que sempre manteve pelo crucificado. Tal era a sua humildade que via nos tremoços um pitéu dos deuses. Ficou por saber se usava lingerie erótica, se não bebia álcool ou se já sofria de aguda hipermetropia antes de ter visões e alucinações afins; ou até se se depilava e maquilhava antes de se fechar com os cardeais Cerejeira e António na sacramental intimidade da confissão...
Gosto destas tendências católico-pagãs para misticismos: são o paradigma do kitsch, a chama flamejante da crendice e constituem-se como preciosas narrativas promocionais que robustecem o negócio das almas da romana igreja papal. Gosto de notícias assim, à 24 horas, e esta enclausurada pastorinha era mesmo mulher de segredos!

sexta-feira, agosto 17, 2007

Humores # 14

1. Num hotel da Suíça, para esquiadores, havia um cartaz informando as condições da neve:
- Neuchatel, 12 cm, mole;
- Lausanne, 18 cm, escorregadia;
- Schaffhausen, 15 cm, consistente.
Por baixo alguém acrescentou, escrevendo numa torpe caligrafia:
"José Silva , 20 cm, rija"...
2. Durante um vôo, um alentejano pede um tinto de Borba. Entretanto, a hospedeira pergunta ao viajante do lado, testemunha de Jeová, se quer também beber alguma coisa. Ofendido, responde:
- Prefiro ser raptado e violado selvaticamente por uma dezena de putas da Babilónia, que uma gota de álcool tocar os meus lábios!
Acto contínuo, o alentejano devolve o copo de tinto à hospedeira, dizendo, satisfeito:
- Eu também! Não sabia que se podia escolher...
3. O chefe de departamento de uma pequena empresa, sentindo que os seus subordinados não respeitavam a sua liderança, resolveu colocar uma placa na porta do seu gabinete, em que se lia:
"Aqui, quem manda sou eu!"
Quando voltava de uma reunião, o senhor viu o seguinte bilhete junto à placa:
"Sua esposa ligou e pede que devolva a placa que tirou lá de casa"...
4. Fim de tarde. Um ginecologista aguarda a sua última paciente, que tarda em chegar. Depois de 45 minutos de espera, infere que já não vem e resolve tomar um gin tónico para relaxar, antes de voltar para casa. Instala-se confortavelmente na poltrona do consultório e começa a ler o jornal quando, de súbito, toca a campaínha: era a paciente que, enfim, chegava e, com os olhos cheios de lágrimas, pediu desculpas pelo atraso, desabafando que o seu dia tinha sido difícil e atribulado.
- Não tem importância - respondeu com compreensão o médico - Olhe, eu estava a tomar um gin tónico enquanto esperava. Quer um também?
- Obrigada, senhor doutor! Aceito com prazer! - retorquiu com evidente agrado a paciente.
Ele serve-lhe um copo, senta-se na sua frente e começam a conversar. De repente, ouve-se um barulho de chave na porta do consultório. O médico tem um sobressalto, levanta-se bruscamente e diz à consultada:
- É a minha mulher! Rápido, tire a roupa e abra as pernas!

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Legendar o silêncio icónico (62)


Saberá ele as regras do jogo?
(Ou faz de imparcial árbitro?)

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quarta-feira, agosto 15, 2007

O dia em que fui Deus

Adquiri o pouco costumado hábito de trazer sempre no carro uma ou duas latas de comida para cão. Foi uma ideia que me ocorreu há um par de meses, depois de me enfastiar de assistir involuntariamente ao drama recorrente dos animais domésticos abandonados nas ruas e estradas por este país fora. É doloroso ver cães e gatos a deambularem perdidos, angustiados, esfomeados, exaustos de consumição e dilacerados, numa mortificada alienação de que são inocentes vítimas dos irresponsáveis, traiçoeiros e abomináveis donos. Muitos destes infelizes animais de companhia jazem mesmo no meio ou nas bermas das estradas, atropelados de morte, os corpos esmagados e esventrados pelas rodas velozes dos incautos e indiferentes condutores, aí apodrecendo numa atroz solidão, até que deles restem apenas indícios de pêlos sobre a mancha criada pelo sangue derramado. Nem da dignidade de uma condizente e adequada sepultura beneficiam, humilhantemente malogrados até à última molécula e vestígio da matéria que eram...
À aparição de um cão abandonado (os que já vi fariam a maior alcateia do mundo!), apodera-se de mim uma inquietação tal que, perante estas vidas cruelmente descartadas, questiono a racionalidade que à espécie humana se atribui, a respeitabilidade, o pundonor, a nobreza e a autoridade moral que deveria advir da nossa suposta superioridade. A maldade do sapiens tem a incomensurável grandeza do Universo, sempre ilimitado e em expansão. Sou dos que pensam que avaliar o nível de progresso civilizacional de um povo ou sociedade se faz sobretudo a partir de dois indicadores: o modo como se protegem as crianças e se respeitam os outros animais. E, nestes aspectos particulares, o colectivo humano deixa muito a desejar, tantas são as culturas que instrumentalizam outras espécies em bárbaros exercícios de entretenimento circense, em estúpidos e inúteis rituais religiosos, em ilegal e desapiedada caça furtiva ou em intensivas explorações agropecuárias, que em muito transcendem e excedem a alimentar condição humana de predador omnívoro.
Assim o Homem se compraz na gradual extinção da fauna que Noé algum pode inverter, nutrindo o seu vil egoísmo com a intrínseca perversidade que mobiliza e desvenda no seu tenebroso comportamento. Nem a cultura dissimula já (ou ainda?) a selvagem índole dos ancestrais primórdios e, com isso, é a Humanidade que a si mesma se abandona...
Mas por que razão escrevo sobre este tema? É que utilizei ontem a primeira lata de comida, inaugurando o objectivo de minorar, dentro das minhas possibilidades, o sofrimento de um rafeiro faminto que, esquálido, sujo e com uma doença de pele visível, lambia no pó do chão de uma rotunda, desesperado e já em desistência denunciada pela cadência lenta das suas débeis passadas e no meio do trânsito. Depois de ter improvisado um estacionamento para o carro, de chamar a atenção do pobre canino e de depositar o conteúdo da lata numa berma mais segura, testemunhei o mais singelo banquete da Terra, o comensal mais aliviado após a gástrica ausência de forçado jejum, a degustação mais pungente, agradecida e deliciada... Comecei a chorar, numa ambiguidade de satisfação, ternura e de dorida impotência; deixei o animal, evitando iminentes laços de uma gratidão e fidelidade que não poderia retribuir nem prolongar. Apenas aquele gesto ao meu alcance, de lhe adiar a morte com um pequeno grande prazer, me serviu de pontual consolação. Poucas vezes experienciei maior felicidade.
Nem Deus, se existisse, sentiria o providencial poder que senti em, mesmo que brevemente, intrometer-me no curso de uma vida e em ser o destinatário do olhar mais reverente, carinhosamente grato e afectuoso que se pode dar. Que bom seria se, pelo menos, a fatal infelicidade destas inocentes criaturas encontrasse uma pausa na bondade de outros deuses com que se cruzassem; e tudo por menos de um euro - basta ter... lata!

sábado, agosto 11, 2007

Estranha democracia

Em Timor Lorosae, o jogo político continua particularmente complexo e denso, numa proporcionalidade inversa à da exiguidade do território. O actual presidente timorense é o antigo primeiro-ministro e, inversamente, o actual primeiro-ministro é o antigo presidente. Mas não há nisso nada de anormal (por cá, o actual presidente também já foi primeiro-ministro, embora o actual primeiro-ministro não tenha sido - felizmente! - presidente)...
Curioso é que Xanana seja empossado no lugar de primeiro-ministro sem ter ganho as eleições legislativas; mas também Bush se tornou presidente com menos votos do que Gore. Para Ramos Horta, tal decisão política é tomada em nome da estabilidade, que é muito bonita, mais bonita do que a democracia e o respeito pela vontade popular expressa livremente nas urnas de voto.
Com timoneiros deste jaez, até a democracia é massacrada em Timor!

sexta-feira, agosto 10, 2007

Prevenção rodoviária

PIN: o assalto final ao território

Os PIN (Projectos de Interesse Nacional) são a iniciativa do governo Sócrates para a consumação plena da destruição ambiental deste miserável país, que persiste em fazer por não merecer a beleza e o património naturais que ainda vão pontual e heroicamente sobejando e resistindo à voragem da ambição e dos interesses de promotores imobiliários e construtores civis. Não se pode falar em «interesse nacional» quando o que está efectivamente em causa é o saque do território.
Os exemplos sucedem-se e, neste post, venho falar apenas de dois dos mais recentes. No concelho da Moita, a maioria comunista que gere a autarquia deu luz verde para a futura urbanização de terrenos agrícolas, integrada no que designa de "grandes projectos" para a Moita e contra a vontade de milhares de moradores e dos que aí exercem a actividade agrícola. Nem os lusos discípulos de Marx e Lenine resistem já ao sedutor apelo do vil metal!
O outro exemplo vem de mais a sul: José Roquette (os dois «tês» no apelido, herança monárquica, são de capital relevância para se compreender a nobreza azulada do sangue que lhe corre nas veias) pretende investir mil milhões de euros - tantos zeros até confundem! - na construção de um empreendimento turístico-imobiliário, o «Parque Alqueva», que, segundo afirmou este bisneto do visconde de Alvalade, constituirá um "legado para as gerações futuras". Também aqui o «interesse nacional» encobre o real interesse privado, pois tal legado, em rigor, será para os sucessores de Roquette e os dos investidores que o acompanham, aproveitando sabiamente o investimento público no Alqueva e a vantagem que a força do capital lhes dá para, através de um PIN, arrecadarem os muitos milhões de mais-valias simples que resultarão da mudança do solo rústico, viabilizada por este governo tão cioso do investimento que privilegia e beneficia uns poucos com a usurpação infame que resulta da obscena privatização do património que devia ser de todos. Mas o desbocado ministro Pinho já antes deu a entender que os «negócios da China» não são para proveito da arraia-miúda, qual ostensiva "raPINa"...
O acrónimo PIN significa, afinal, «Portugal Invadido de Nepotismo»!

sexta-feira, agosto 03, 2007

Ignomínias do beato Félix

Na leitura em diagonal que fiz do semanário Sol, na edição do passado sábado, uma notícia suscitou a minha particular atenção:
"O governo vai pagar cerca de um milhão de euros de indemnização aos 18 directores dos centros distritais [da segurança social] que foram demitidos, em 2002, em simultâneo, pelo ministro da Segurança Social do governo de Durão Barroso, Bagão Félix. O Supremo Tribunal Administrativo deu razão, em Janeiro, aos antigos directores, considerando «nulos» os despachos de demissão por «falta de fundamentação»."
Se Portugal fosse um país governado por gente séria e competente, seguramente não haveria congelamentos sucessivos de progressão na carreira nem as juntas médicas se recusariam a deferir pedidos de aposentação de funcionários com os pés bem próximos da sepultura; e, das duas uma: ou este inenarrável beato que foi ex-ministro pagaria do seu bolso tal indemnização aos directores demitidos, ou, o que se me afigura mais decente, seria responsabilizado (juntamente com Barroso) por um tal desfalque nas contas públicas, passando uma temporada na cela de uma prisão... Podia ser que, por uns tempos, deixássemos de o ver e ouvir a opinar sobre assuntos sérios que o seu retrógrado atavismo e preconceito não permitem resolver.
Mas, em Portugal - como o governo Sócrates o atesta ao revelar-se ser um digno sucessor dos governos anteriores -, só se castigam aqueles que têm mérito e valor e, enquanto houver absoluta impunidade nas decisões tomadas pelos titulares de cargos políticos, o partido ganhador em democracia continuará a ser... o da abstenção!

Primum vivere deinde philosophare - 58

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quinta-feira, agosto 02, 2007

Patrões e empresários

O que está em causa nesta notícia é mais um exemplo da progressiva destruição em curso dos direitos laborais e sociais. A defesa do fim da obrigatoriedade de reintegração do trabalhador despedido sem justa causa é a prova inequívoca de que o objectivo essencial das confederações patronais é a liberalização total do despedimento, ou seja, é despedir sem mais, "porque sim"!
Mais do que considerações de ordem económica, política ou ideológica, o que os empresários portugueses procuram é reduzir as relações laborais a relações de poder, aproximando-as à intimidação e plenipotência hierárquica tão querida do regime salazarista, independentemente de considerações de mérito, competência ou produtividade. O medievalismo primário de um certo tipo de capitalistas lusos levam-nos a privilegiar ainda interacções laborais verticais, em vez de conceberem a horizontalidade de tais interacções, tão característica de inúmeros grupos empresariais modernos e de sucesso internacional.
Redefinir o conceito de «justa causa» por referência aos interesses da empresa é absurdo: a «justa causa subjectiva» refere-se ao comportamento do trabalhador; e a «justa causa objectiva» a factos tangíveis que tornem impossível a subsistência da relação de trabalho (como a extinção do posto de trabalho). E querer restringir o direito à greve de interesses profissionais, e depois de esgotado o recurso a alegadas "formas pacíficas de solução de conflitos", demonstra igualmente a má fé e o atavismo de quem procura abolir todos e quaisquer direitos legítimos dos trabalhadores, muitos dos quais tanto custaram a conseguir com o denodado esforço e sacrifício dos nossos "egrégios avós".
Se a um bom empresário interessa saber produzir, já a um empresário português importa primordialmente mandar e aviltar os subordinados; é por isso que, mais do que empresários, o que Portugal tem é "chefes" e "patrões"!