segunda-feira, outubro 29, 2007

Rankings abençoados

Uma vez mais, a divulgação de rankings de escolas (elaborados em função de médias obtidas pelos alunos em exame e outros critérios nem sempre claros ou adequados) constituiu um reiterado momento de gratuita e subliminar promoção de estabelecimentos de ensino tutelados pela papista igreja romana: invariavelmente, o grosso das escolas mais bem classificadas são privadas e, grande parte destas, são pertença de cooperativas de ensino católicas (em grande número ligadas à sórdida Opus Dei). Porém, e para espíritos mais críticos e heterodoxos, o que pode ser interpretado como pedagogicamente meritório equivale a uma chocante dualidade sócio-económica inerente à atitude de uma igreja que, em cínica contradição, se diz universal e de pobres.
Ora, nas escolas públicas as propinas são simbólicas e prescindem de pagamento em cheque ou débito bancário; não há discriminação entre alunos oriundos de classes privilegiadas e os outros (e se há, está mitigada pelo escrutínio público); não há segregação de género (as turmas e as escolas são mistas); não há os recursos materiais das congéneres privadas nem professores suficientes para reforçar as componentes lectiva e/ou extracurricular (que permitem mecanizar e simular provas que treinem a memória e antecipem a situação efectiva de exame), pois os sucessivos governos encaram a Educação pública como escusada despesa e não como imperioso investimento...
Curioso: no sistema educativo incumbe ao Estado - mesmo que mal - a tarefa de promover um conjunto de valores espirituais que caberiam não menos justificadamente à Igreja, comportando-se esta como uma mera empresa com fins altamente lucrativos, que mercantiliza o Ensino e concorre em condições de escandalosa desigualdade, fomentando deste modo as obscenas assimetrias sociais que devia combater, mas de que, pelo contrário, tira proveitoso tributo. Estes rankings não podiam ser mais abençoados pela multinacional vaticana.
É triste como quem mendiga por franciscanas esmolas e tostões, factura impunemente milhões!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Ipsis verbis [10]

"Para além da irrefutabilidade lógica, há a meu ver algo um tanto ou quanto bizarro nas avaliações daqueles que pensam que uma Divindade omnipotente, omnisciente e benevolente, após muitos milhões de anos a preparar terreno numa grande nebulosa sem vida, se considerasse devidamente recompensado pela emergência final de Hitler, Estaline e da bomba de hidrogénio."

Bertrand Russell (1872 - 1970), in Por Que Não Sou Cristão, palestra proferida em 6/3/1927, na Câmara Municipal de Battersea (Inglaterra)

quinta-feira, outubro 25, 2007

Em ninho de cucos / 10

É curiosa a perspectiva moral dos venerandos velhotes celibatários que fazem do Vaticano um imenso, luxuoso e gratuito Lar da Terceira Idade: verem imagens filmadas em que um clérigo alicia um jovem, levou a que acusassem esse seu confrade de cometer o pecado de ser gay. Eu, que não venero as entidades masculinas da sua santíssima trindade, diria que o infractor deveria ser acusado sim, mas de ser pedófilo. Mas, enfim, são perspectivas; e a minha não é, seguramente, de inspiração bovina, perdão, divina...
Usando o argumentário de defesa do réu, eu também gostava de fingir ser padre "apenas para melhor compreender «esse mundo misterioso», ajudar os homossexuais como psicanalista e proteger" a sociedade e as crianças e jovens! A julgar pelas frequentes revelações destes casos mui católicos, por detrás de um celibatário há um potencial tarado sexual... E, senhores padres, a interpretação que fazem de Lucas 18, 16 ("Deixai vir a mim as criancinhas") se calhar não é a mais correcta, mas eu não quero, como Lutero, fazer outra «Reforma». Deus pode estar a dormir (será que alguma vez esteve acordado?), mas as câmaras de vídeo não!

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Primum vivere deinde philosophare - 64

terça-feira, outubro 23, 2007

Nacional porreirismo já é europeu

Os governos da União Europeia combinaram aprovar o «Tratado de Lisboa» sem consultar o ignaro povo que representam, como se a construção europeia pudesse ser concebível sem contemplar o povo e reservando-lhe um lugar menor. Aliás, a Europa parece ser, cada vez mais, um lugar político que exerce «apartheid» sobre as populações, agora sob a forma de um ruído de convergentes aplausos dos 27 mandantes em louvor da maravilha negocial da lusitana presidência da UE - "porreiro, pá!"
Mas esta é uma festa que ameaça tornar-se privada, que pretende arredar os cidadãos comuns da maçada de ter que sufragar em referendo tão salvador e messiânico documento. Essa árdua e aturada tarefa cabe aos ilustres e esclarecidos deputados dos diversos parlamentos nacionais (mesmo daqueles que foram eleitos por listas cujo compromisso eleitoral era o de referendarem o Tratado), até porque a consulta popular impede a desejável celeridade processual que ponha essa assombrosa oitava maravilha a funcionar; e porque o cidadão anónimo europeu, de tão politicamente iletrado, não conseguiria passar da primeira página se quisesse interpretar compreensivamente o texto do acordo; para não referir igualmente a necessidade de "deixar de brincar aos referendos" (Vital Moreira dixit)...
Assim, a que propósito os esforçados e diligentes governantes iriam perder tempo a explicar ao povo, por a+b, o que o "histórico" Tratado do Pavilhão Atlântico contempla, permite e acarreta? Em nome de quê deixar a plebe meter a colherada nos acepipes da sua magnânima celebração? Por quê cumprir o que se prometeu em campanha, se a eleição já cá canta e até já anteriormente se subiram os impostos?
Na UE já não se discutem opções económicas, sociais ou políticas, mas apenas questões de mercearia, como a designação de cargos ou o número de deputados que se ganham ou perdem... Por este andar, de tanto voltar as costas aos cidadãos europeus, os Sócrates desta estranha união vão fazer com que, e paradoxalmente, com tanto alargamento e convergência, a UE seja cada vez mais um espaço confinado a duas ilhas: Estrasburgo e Bruxelas! "Porreiro, pá!"

segunda-feira, outubro 22, 2007

As vergonhosas chinesices do PCP

Na última edição do jornal «Avante», "o Comité Central do PCP saúda calorosamente o XVII Congresso do Partido Comunista da China, formulando os melhores votos de sucesso aos seus trabalhos e à acção dos comunistas chineses em prol do desenvolvimento e progresso social, fortalecendo o objectivo proclamado da constituição de uma sociedade socialista".
Ou seja, o PCP "saúda calorosamente" uma força partidária que é, há várias décadas, responsável por uma cruel ditadura de partido único num dos maiores e mais populosos países do mundo, onde a pena de morte é um recurso judicial banal e os direitos humanos não só não são reconhecidos como são flagrantemente violados; onde a liberdade de imprensa é uma miragem e o acesso à Internet fortemente condicionado; onde estão praticamente ausentes quer a instituição da segurança social quer o direito a pensões de reforma; onde a desregulamentação do trabalho é chocantemente absoluta e a acção sindical simplesmente proibida; e onde a condição feminina é desumanamente desclassificada e penosamente vivida, ao ponto de, e por instigação estatal, muitas bebés recém-nascidas serem mortas pelos próprios progenitores... Tudo isto num país que é actualmente o paradigma mais perfeito do que são as consequências atrozes da conjugação da globalização de mercado com a ideologia neoliberal e o capitalismo mais selvagem que se possa imaginar.
Todavia, o partido do camarada Jerónimo não se cansa de reiterar persistente e efusivamente a grande e duradoura amizade que mantém com os seus homólogos do PC chinês. E, por cá, o PCP apoia - e bem! - as iniciativas sindicais (como as recentes manifestações contra os atropelos aos direitos laborais e sociais, ou contra a «flexigurança») que fariam corar de indignação os infames dirigentes do «Império do Meio».
Com um comportamento tão soez e lamentavelmente contraditório, de pôr a democracia «de olhos em bico», o PCP é cada vez menos o partido da foice e do martelo, e mais o partido do cravo e da ferradura! Assim se vê, a «forca» do PC...

sexta-feira, outubro 19, 2007

A ilha de Gaza

Na Faixa de Gaza, o tabaco disponível provém de contrabando e é de má qualidade: um maço de 20 cigarros custava em Junho 10 shekels (1,70 €) e agora custa 35 shekels (6,10 €). Isto, numa região paupérrima e sem recursos naturais, em que o habitual é fumar-se mais de um maço diário para combater o tédio e a inércia que o isolamento imposto provoca. Nas ruas de Gaza, as conversas costumavam versar sobre a precária situação política interna, as negociações com Israel ou o custo de vida; mas agora é o preço do tabaco e os locais onde adquiri-lo que dominam as espontâneas tertúlias destes palestinos.
O tabaco é um dos muitos produtos de consumo que começaram a escassear desde meados de Junho, quando o Hamas tomou o controlo de Gaza e Israel retaliou: se o governo israelita já limitava a entrada de muitos produtos naquela martirizada parcela de território, desde essa altura reduziu ao mínimo os bens de primeira necessidade. Os poucos cigarros que chegam vêm do contrabando em Rafah, em áreas menos vigiadas da fronteira sul com o Egipto, ou clandestinamente dissimulados entre a pequena lista de produtos que Israel deixa entrar em Gaza (farinha, arroz, leite, açúcar, sal, frutas e alguns medicamentos). Beber água tornou-se um luxo, nesta «faixa» que mais parece uma ilha, rodeada que está de água por um lado e de armas, arame farpado e muros nos restantes...
Os habitantes de Gaza queixam-se da qualidade dos alimentos que recebem e da inexistência de medicamentos para tratar o cancro ou doenças cardiovasculares. Além disso, muitos trabalhadores qualificados perderam ignobilmente os seus postos de trabalho nos países ricos do Golfo Pérsico, por lhes ser vedada a saída de Gaza. O encerramento da fronteira, imposto por Israel, impediu também que cerca de 7000 estudantes continuassem os estudos nas Universidades dos países vizinhos, principalmente do Egipto e da Jordânia.
Mas a falta de tabaco é um mal menor, se comparada com a falta de cimento, o que tem inviabilizado fortemente a concretização de projectos de construção e de obras públicas, muitos dos quais financiados por outros países.
E é assim que Israel contribui em larga medida para potenciar o terrorismo e o fundamentalismo islamistas; sem Israel, o Hamas não seria o que é actualmente. Triste ironia esta: Gaza parece-se cada vez mais com um gueto de Varsóvia dos anos quarenta - mas as vítimas de ontem aprenderam com os seus carrascos e tornaram-se nos verdugos de hoje!

quinta-feira, outubro 18, 2007

Em ninho de cucos / 9

Este ilustre - mas pouco ilustrado! - decano é o paradigma da senilidade cívica e do atropelamento exegético próprios da geriátrica hierarquia que compõe a vaticana igreja. A sovinice desta gente está bem patente nesta singular resposta deste espécime, dada numa imperdível entrevista [«Notícias Sábado», do passado dia 6] que nem a pródiga imaginação dos Gato Fedorento igualaria em comédia; mas, neste caso, é bem real e revestida de sisudez!
Nestes últimos dias em que se eleva a alimentação e a pobreza ao estatuto de dias mundiais, e lendo respostas tão patetas, indignas e desprovidas de civilidade, ocorre-me a parábola bíblica do mancebo rico (Mt 19, 16-24; Mc 10, 17-25; ou Lc 18, 18-25) segundo a qual Jesus terá dito a um abastado jovem que, para ele entrar no celestial reino, teria que se despojar de tudo quanto possuía em favor dos pobres. Mas o sr. Guerra, reitor do fantasmódromo de Ourém, e que já não é tão jovem assim, "por amor de Deus" não construía outra igreja e só dava metade de 80 milhões de euros aos infelizes indigentes. Ora, 40 milhões de euros divididos pelos pobres que há no mundo, com o conhecimento (ou consentimento?) da santa igreja dos autos-de-fé, talvez dê a cada um para comprar uma sandes de fiambre e um copo de leite...
Pelas alminhas, sr. padre: dê lá mais qualquer coisinha à gente, que o dinheiro só tem uso neste mundo, pois no outro os bens adquirem-se de borla!

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quarta-feira, outubro 17, 2007

Alimentação e aflição

Enquanto o governo português, que se diz de esquerda e socialista, aclama ufano e proclama orgulhoso que vai cumprir o défice previsto (para o ano promete ser já inferior a 3%), a Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome alertou ontem, no Dia Mundial da Alimentação, para o facto de haver cada vez mais pessoas a pedir ajuda. Há agora pessoas que, embora empregadas e com salário, não têm um rendimento que satisfaça as necessidades básicas: em Portugal, os últimos dados oficiais apontam para 19% da população em situação de pobreza grave ou extrema. Paralelamente, o número de instituições a pedir mais apoio dos bancos alimentares não pára de subir.
Vá lá, sr. «engenheiro» Sócrates, continue obcecado e absorto com a consolidação orçamental «made in EU» e talvez o défice ainda fique abaixo dos 2% em 2009. Claro que, pelo caminho, alguns dos que não emigrarem poderão chegar a morrer de fome, mas também assim v. exa. lhes resolve a aflição...

terça-feira, outubro 16, 2007

Um relógio que dá mais do que horas

Recebi por mail um curioso relógio - o «world clock» - que faz, por cada segundo que passa, o registo contabilístico de um conjunto diverso de dados de âmbito demográfico mundial relativos, por exemplo, à natalidade, mortalidade, crescimento populacional, abortos, casamentos, divórcios, suicídios; bem como de dados como o número de carros, computadores e bicicletas produzidos, ou o número de espécies extintas e a perda florestal... A contabilidade dos dados pode ser feita por dia, por semana, por mês, por ano ou mesmo a partir do exacto momento que se pretender.
Desconheço se os valores apresentados são fidedignos, o que não impede que a visita a este sítio seja proveitosa em vários aspectos. Quer confirmar?

Legendar o silêncio icónico (68)

Virar a vida de pernas para o ar deve custar!
(Fica-se com a vida suspensa...)

Paz num filme «Gore»

Se o Prémio Nobel da Paz chegou já a ser atribuído a um criminoso como Henry Kissinger (em 1973), não surpreenderia que este ano o atribuissem a Tony Blair ou a George Bush. Calhou a sorte a Al Gore, a meias com o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, organismo criado no seio da ONU, em 1988, e constituído por funcionários nomeados pelos governos e, logo, comprometidos com os mesmos), o que prova os recorrentes critérios obscuros da academia norueguesa na atribuição do reputado e gordo prémio nesta categoria. Foi preciso vir um norte-americano, ex-vice-presidente, falar sobre o ambiente e a necessidade de encetar esforços para um maior conhecimento das alterações climáticas, para o comité do Nobel ter sensibilidade para o tema - por que razão a Greenpeace não foi ainda laureada?
Com efeito, a actual demanda de Al Gore não vai, seguramente, alterar substancialmente o sentido da evolução civilizacional do Homem, continuando as preocupações ambientais a figurar num plano secundário e subordinado a mais elevados imperativos de ordem económica. Suspeito mesmo que, e a julgar pela quantia milionária que cobra por cada palestra que faz, a mensagem de Gore é mais política do que ecológica: insere-se num negócio (hoje, tudo tem um preço!) cujo objectivo é, por um lado, o enriquecimento pessoal explorando um filão na moda; e, por outro, instaurar uma espécie de «capitalismo ambiental» baseado na produção e venda de tecnologia alicerçada em energias alternativas, enquanto os EUA continuarão a ser os maiores poluidores e consumidores de petróleo. Quioto não é um exemplo inocente...
No entanto, o que, em termos ambientais, ocorre no planeta por intervenção humana, com a destruição acelerada dos ecossistemas e da biodiversidade, não deixa de ser um crescente e irreversível horror e, por conseguinte, o mérito deste Nobel da Paz é lembrar a "verdade inconveniente" de que vivemos num filme, cada vez mais, «gore»!

segunda-feira, outubro 15, 2007

Um banco «familiar»

A igualdade devia ser um inquestionável valor básico em democracia, inspirador das relações intersubjectivas e organizacionais e válido tanto no sector público como no sector privado. Porém, no Millenium BCP parece não ser assim e ser amigo ou filho do patrão traz privilégios acrescidos à margem de qualquer consideração ética; ou não tivesse a administração do maior banco privado português perdoado o pagamento de juros sobre uma dívida de 12 milhões de euros à empresa JMA e, em 2004, outra de 15 milhões a empresas de que Filipe Jardim Gonçalves era associado.
Ora, num país em que a vitória socrática no combate ao estúpido défice, criado com o PEC, se faz à custa dos enormes sacrifícios de milhões de portugueses, aos quais se impõe uma austeridade severa (subida de impostos, perda de poder de compra, congelamento de carreiras e salários, aumento da idade da reforma, flexibilidade e mobilidade, etc.) e cujos salários servem sobretudo para liquidar prestações de inevitáveis dívidas contraídas, Jorge Jardim Gonçalves podia ser igualmente complacente para com muitos outros clientes mais necessitados. Com isso, faria até jus à sua reputação de fervoroso cristão...
Vale ao banqueiro madeirense que está em Portugal, país onde, como diz o povo, "quem rouba um pão é ladrão, quem rouba um milhão é barão". Talvez seja por isso que o homem é membro da Opus Dei, como se já não fosse bastante ser católico: nem com os aparvalhados rituais da sua fé (chicotear-se-á?) evita que seja mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha! Para quando a sua beatificação?

domingo, outubro 14, 2007

Ipsis verbis [9]

DN - Na sua opinião, uma mulher que é agredida pelo marido deve manter o casamento ou divorciar-se?
LG - Depende do grau da agressão.
DN - O que é isso do grau da agressão?
LG - Há o indivíduo que bate na mulher todas as semanas e há o indivíduo que dá um soco na mulher de três em três anos.
DN - Então reformulo a questão: agressões pontuais justificam um divórcio?
LG - Eu, pelo menos se estivesse na parte da mulher que tivesse um marido que a amava verdadeiramente no resto do tempo, achava que não.
Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima, em entrevista ao DN

sexta-feira, outubro 12, 2007

Santíssima imbecilidade

A propósito da nova igreja de filial romana, li hoje no JN duas citações de prelados papistas que me deixaram estarrecido: uma pela infelicidade na analogia que convoca; a outra pela desfaçatez e impudência própria de quem do mundo e da vida aparenta ter somente uma sobranceira perspectiva de sacristia.
Afirma António Marto, bispo de Leiria-Fátima:
"Os gastos ficam relativizados se os compararmos com os do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, ou os da Casa da Música, no Porto."
Deve andar pálida e desvanecida a divina luz que ilumina este religioso, pois se esqueceu de, já agora, divulgar quais são as conferências, congressos, palestras, simpósios, exposições de arte temporárias e permanentes que irão ter lugar na novel estrutura agora inaugurada, ou quais os concertos agendados e quais as bandas e orquestras que nela vão actuar. Com efeito, incorrer no sofisma da falácia da analogia, comparando o incomparável, é um comportamento de profunda desonestidade intelectual, o que, vendo bem, nem é de estranhar num membro de uma hierarquia tão sórdida como é a católica.
E que dizer da seguinte asserção de Luciano Guerra, anoso «monsenhor» reitor do anjódromo de Ourém (mais conhecido por Santuário de Fátima), que reza assim:
"A Igreja da Santíssima Trindade é uma construção humilde e foi pensada para o bem-estar dos milhares de peregrinos."
Ora, 70 milhões de euros são, efectivamente, uma simples e modesta maquia, sobretudo para quem diz viver de esmolas. Fico até admirado por que os arrumadores de carros, congéneres da vaticana gente na profissional angariação de caridosas retribuições, não são já também bem sucedidos cidadãos - talvez não tenham tanto jeito para o negócio ou careçam de um curso de teologia... E, sendo uma construção pensada na tranquila comodidade dos romeiros, presumo que tenha bar e lavabos (o CCB e a Casa da Música têm!) e, em dias e noites de inóspita invernia, não feche as portas aos carentes de abrigo e provavelmente um pouquinho mais humildes que a santa madre igreja.
A disfunção mental de bípedes assim só poderia redundar em afirmações tão desprovidas de senso e simultaneamente atentatórias da inteligência e da pobreza, sobretudo por quem o que de borla ainda vai dando são pouco frugais hóstias... pagas com a correspondente esmola! Tantas partículas de pão ázimo parecem fazer mal à saúde psíquica dos seguidores da inquinada doutrina católica; e seria interessante erigir uma outra humilde igreja em honra dos senhores Marto e Guerra, baptizada de «Igreja da Santíssima Imbecilidade»!

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Primum vivere deinde philosophare - 63

quinta-feira, outubro 11, 2007

Quando os abutres vestem sotaina

Os repetidos protestos populares, de norte a sul, parecem insuficientes para demover o governo em relação à sua insensível decisão de fechar urgências, SAP's, maternidades, esquadras e escolas. Todavia, perante o parasitário grasnar da hierarquia católica contra a não admissão de novos capelães nos quadros da função pública, aí o governo de uma espécie de engenheiro recua e prova que a sua concepção de laicidade do Estado tem a forma de uma cruz. Sócrates anda de cócoras face às despudoradas pretensões dos papistas (por onde andam os patriarcas Soares e Alegre?), mas, face às justas reivindicações dos cidadãos que trabalham e são efectivamente úteis ao país, Sócrates responde com a sua incomensurável arrogância e resoluta altivez.
Perante um doente, mormente os em estado terminal, um padre tem um efeito placebo e a sua presença serve até para indiciar o fim próximo e não apenas para encomendar a moribunda alma (tão distraído e surdo anda deus para com os que sofrem e nele crêem!). E, independentemente do direito à assistência espiritual, que está associado à liberdade religiosa que um Estado deve observar, o que aqui está em causa é pôr fim a uma situação obscena e de imoral conluio em que o Estado português - eu e os demais contribuintes - paga aos membros de um clero, o que agride e ofende a laicidade do Estado, os ateus e os tributários de alheios credos. Por outro lado, há muito que esta igreja italiana é beneficiada e privilegiada em relação às outras confissões religiosas legalmente reconhecidas e estabelecidas, fruto de uma vil e anacrónica Concordata: muitos voluntários hospitalares admitiram mesmo publicamente serem instruídos para ignorarem ou preterirem, na sua laica e nobre missão, pacientes de espiritualidades dissonantes da católica...
Que seja o Papa a financiar os seus serviços aos seus clientes - perdão crentes -, pois são estes que, supostamente, doam 70 milhões de euros para patrocinarem integralmente a ampliação do FátimaShopping. É caso para dizer que, para tratar da sua saúde financeira, a papal igreja exige a Sócrates que «trate da saúde» aos portugueses. Afinal, ao Papa o que é do Papa, a Deus o que é de Deus!

quarta-feira, outubro 10, 2007

Dia Mundial Contra a Pena de Morte

Hoje comemora-se o Dia Mundial Contra a Pena de Morte. Nesta matéria, Portugal é um exemplo de notável civilidade e progresso, pois foi um dos primeiros países a abolir a pena capital, a qual é uma inaceitável solução jurídica, por representar pura e simplesmente um irracional acto de vingança pública, um abominável crime de Estado que não resolve qualquer dilema moral ou problema social e económico.
Os que a defendem, considerando que serve de castigo exemplar, incorrem em contradição porque, nesse caso, bastaria ter havido um só executado. E em nada seguem o exemplo dos países civilizados que a transformaram em prisão perpétua ou com outra duração variável, sem que isso levasse ao aumento das respectivas taxas de criminalidade. Se a pena de morte tivesse como efeito reduzir os assassínios, há muito tempo que estes crimes violentos aconteceriam com muito menos frequência nos países que vergonhosamente a mantêm. Por outro lado, a pena de morte em nada traduz um direito da sociedade sobre a vida individual, pois se não foi a sociedade que deu vida ao criminoso, também não deverá ser ela a ter o direito de lha retirar; em nada representa um gesto de humanidade, de racionalidade e de sensatez.
Mas aquela que reputo de principal razão para condenar a pena de morte é o facto de a justiça humana ser intrinsecamente falível e, pior que um psicopata ou debilitado mental matar outrem, é ser um Estado a executar um inocente, em nome de todos, o que não deixa de ser um crime ainda mais hediondo, repugnante, vil e chocante. Por conseguinte, a irreversibilidade deste julgamento deveria, só por si, dissuadir o recurso a uma sentença mortal.
Os EUA persistem em manter a pena de morte na maior parte dos seus estados federais (são escassas as honrosas excepções), em particular o Texas do cowboy Bush; à semelhança, aliás, de mais de cinco dezenas de outros países: em comum têm regimes despóticos, ditatoriais, teocráticos e/ou religiosamente conservadores e tradicionalistas. Talvez por isso Bush tenha chegado a Presidente; talvez por isso os EUA continuem a impor a sua vontade no mundo; talvez por isso o Dia Mundial Contra a Pena de Morte continuará a ser celebrado por muitos mais anos!

terça-feira, outubro 09, 2007

Em ninho de cucos / 8

Outra coisa não seria de esperar: com tantas noivas que o crucificado ainda tem, não estranha que as cenas de emocionais ciúmes entre as freiras descambem para a violência. Mas, no caso, é uma violência «santa», abençoada pelo infinito amor com que as celibatárias monjas se devotam ao nazareno em inefáveis êxtases místicos. Ainda para mais, tratando-se de «clarissas» - a ordem mais austera dos papistas, dedicadas à contemplação, à oração e ao silêncio -, percebe-se que tal deve ter sido o tédio gerado por tanta taciturnidade e mole sossego que, vai daí, e combatem a inércia com a corajosa impetuosidade de um lutador de boxe, animando os claustros e, quem sabe, até conseguir os mínimos para os Jogos Olímpicos...
Face a este episódio pouco católico (não houve mortos!), nada que umas avé-marias e uns pais-nossos não resolvam e, afinal, é tudo uma questão de vocações!

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sábado, outubro 06, 2007

A celibatária excomunhão das mães solteiras

O secretário-geral e porta-voz da Conferência Episcopal espanhola, Martín Camino, criticou a ajuda do Estado vizinho às mães solteiras, como é o caso do aumento até € 3500 da nova prestação de maternidade para as famílias monoparentais. Este bispo asseverou que o Estado deve promover a natalidade num "contexto adequado", em que se respeitem os direitos da criança "a ter um pai e uma mãe e onde possam ser acolhidos e educados"; na sua opinião, "todos têm dignidade e não são responsáveis pelas circunstâncias em que foram gerados", mas opõe-se a que se "promova" que os rebentos "venham ao mundo sem um pai e uma mãe" - a minha querida e saudosa avó, analfabeta e sem demorados estudos teológicos, não pensava de maneira diferente...
Por aqui se vê como, antes de ser na Terra a voz de um deus com doença bipolar, a igreja papista deveria começar a ter mais bom senso, elevação ética e, sobretudo, um sentido prático de realismo cívico e social. Pelo contrário, a nostalgia pela atávica concepção de uma anacrónica ideia de família tradicional é o que move e mais agrada a esta cristalizada hierarquia de celibatários: um pai e uma mãe; ele trabalhando incansável e obstinadamente para o sustento da tribo e ela alegre e diligentemente na cozinha e na casta consumação das domésticas tarefas, eventual e aconselhavelmente a mudar as borradas fraldas ao petiz e demais virtudes que a promovem a imaculada fada do lar; não esquecendo ambos, claro, a missinha ao domingo!
Mas, ó bispos deste mundo e do outro, que dizer de uma jovem mãe por violação ou recém-viúva - estarão elas também sujeitas à santa censura da solene prelatura? Julgarão vossas senhorias, no vosso asséptico distanciamento da crua e fáctica realidade, que todas as crianças abençoadas com a presença quotidiana dos biológicos progenitores são invariavelmente estimadas e tratadas com o afectuoso beneplácito do amor paternal (o tal "contexto adequado"), ou os inúmeros e frequentes casos de maus tratos são malévolas invenções de maldosos jornalistas? Vale a essas infelizes fêmeas que já não há garrotes nem fogueiras!
A reduzida capacidade de discernimento da vaticana gente, ciosa de bizarros e arrogantes preconceitos de vária ordem, demonstra por que a laicidade é tão útil, conveniente e indispensável, quanto mais não seja para que se deixe de apontar o dedo aos «bastardos», como se fazia nos gloriosos e inquisicionais tempos de antanho, e apesar da hipocritamente contraditória asserção de que "todos têm dignidade". Bem se viu... É que, com a presente e louvável medida do governo espanhol, não se fomenta nem se inibe a monoparentalidade, mas apenas se atende à realidade sócio-económica e cultural actual, sem procurar impôr paradigmas ético-morais particulares ao conjunto da sociedade, que, seguramente, não é universalmente composta de crentes nem de católicos. A mulher deve ter o direito de decidir quando quer ser mãe, independentemente de ter ou não parceiro e apesar de modelos caducos e retrógrados que ainda subsistem no modo de conceber a família.
Em vez de ajudarem a resolver os problemas próprios da inevitável realidade profana, estes profissionais de idólatra doutrina negam-na só porque ela não se adequa ao seu modelo doutrinal de sociedade e afronta o seu preceito exclusivista e peculiar de «cristandade». Sei que demonstrar inteligência é um requisito do que alguns consideram uma característica do divino; porém, estas presuntivas eminências de sotaina não fazem mais que insultar a inteligência, o comedimento, a sensatez e o livre-arbítrio dos seus próximos.
Cada vez mais me convenço de que há que refazer o difundido aforismo neotestementário para: "ao Papa o que é do Papa, a Deus o que é de Deus"!

quinta-feira, outubro 04, 2007

Dia Internacional do Animal

O céu já não é o limite

Foi a 4 de Outubro de 1957, faz hoje 50 anos, que começou a concretizar-se a era espacial: nesse dia, a então União Soviética enviou o «Sputnik» para o espaço, lançado desde o cosmódromo de Baikonour, no Cazaquistão. O «Sputnik» (que em russo quer dizer «amigo» ou «companheiro») era uma esfera com cerca de 50 cm e pesando 83,6 kg, cuja singela função era tão somente transmitir para terra um sinal de rádio; este primeiro satélite artificial orbitou a Terra durante seis meses, antes de cair.
Depois desta missão «Sputnik 1», seguiu-se o envio para o espaço da cadela Laika, o primeiro animal a contemplar o planeta azul; e, mais tarde, o primeiro homem, Iuri Gagarin. Em 1969, os EUA ripostaram a esta liderança soviética da exploração espacial, com a chegada à Lua.
Esta é, talvez, a mais ambiciosa aventura científica, a ponto de o céu deixar de ser o limite. Os sucessivos satélites mandados para a órbita terrestre permitiram conhecer melhor a própria Terra e os seus ecossistemas, bem como melhorou a qualidade e o rigor da previsão meteorológica e contribuiu no apoio à navegação (como o sistema GPS) e ao nível da comunicação (os satélites comerciais de televisão). Também a medicina beneficiou: a análise dos efeitos da permanência de astronautas no espaço levou à descoberta da medição automática de pressão sanguínea, inventaram-se sistemas de monitorização do coração para pessoas sensíveis à radiação e aperfeiçoou-se a ergonomia de vários dispositivos.
O progresso tecnológico muito deve à exploração espacial, em virtude da aplicação, no nosso quotidiano na Terra, de muita da tecnologia espacial: em vestuário antifogo, em sistemas de redução do ruído, em aparelhos para os dentes, em óculos escuros, etc..
Pena é que, hoje, 50 anos depois, o céu se torne mais perigoso graças ao uso militar do espaço e, além disso, se tenha provado que a cosmologia inserta nos versículos da Bíblia é um disparate de proporções bíblicas. Com a exploração espacial é a vida no planeta Terra que mudou; e, oxalá, não seja graças a ela que a vida neste planeta quase moribundo vá... terminar!

terça-feira, outubro 02, 2007

Legendar o silêncio icónico (67)


Eu também gostava de «correr» com o primeiro-ministro!

(Nem assim consegue suar a camisola...)

segunda-feira, outubro 01, 2007

O supérfluo e o essencial

Recebi por mail um interessante texto de autor desconhecido, cujo conteúdo opinativo partilho plenamente e que testemunha uma experiência pessoal a que, penso, não devemos ficar indiferentes. Há que questionar a pacóvia atitude tão típicamente nacional de, muitas vezes, se dar mais importância à vaidade do acessório em detrimento do que é essencial: é incompreensível que se tenham gasto milhões de euros em estádios de futebol, ainda por cima com reduzidas assistências, e se fechem escolas, tribunais, esquadras e unidades de saúde; os exemplos mais recentes são a Ota e o TGV... Eis o conteúdo do mail:
Há uns meses optei por ir de Copenhaga a Estocolmo de comboio. Comprado o bilhete, dei comigo num comboio que só se diferenciava dos nossos «Alfa» por ser menos luxuoso e dotado de menos serviços de apoio aos passageiros. A viagem, através de florestas geladas e planícies brancas a perder de vista, demorou cerca de cinco horas. Não fora ser crítico do projecto TGV e conhecer a realidade económica e social desses países, daria comigo a pensar que os nórdicos, emblemas únicos dos superavites orçamentais, seriam mesmo uns tontos. Se não os conhecesse bem, perguntaria onde gastam eles os abundantes recursos resultantes da substantiva criação de riqueza. A resposta está na excelência das suas escolas, na qualidade do seu Ensino, nos seus museus e escolas de arte, nas creches e jardins-de-infância em cada esquina, nas políticas pró-activas de apoio à terceira idade. Percebe-se bem porque não construíram estádios de futebol desnecessários, porque não constroem aeroportos em cima de pântanos nem optam por ter comboios supersónicos que só agradam a meia dúzia de multinacionais.
O TGV é um transporte adaptado a países de dimensão continental, extensos, onde o comboio rápido é, numa perspectiva de tempo de viagem/custo por passageiro, competitivo com o transporte aéreo. É por isso, para além da já referida pressão de certos grupos que fornecem essas tecnologias, que existe TGV em França ou Espanha (com pequenas extensões a países vizinhos). É por razões de sensatez que não o encontramos na Noruega, na Suécia, na Holanda e em muitos outros países ricos.
Tirar 20 ou 30 minutos ao percurso ferroviário Lisboa-Porto, à custa de um investimento de cerca de 7,5 mil milhões de euros, não terá qualquer repercussão positiva na economia do País. Para além de que, dado hoje ser um projecto praticamente não financiado pela União Europeia, ser um presente envenenado para várias gerações de portugueses que, com mais ou menos engenharia financeira, o vão ter de pagar. Com 7,5 mil milhões de euros pode construir-se mil escolas Básicas e Secundárias de primeiríssimo mundo, que substituam as mais de cinco mil obsoletas e subdimensionadas (a 2,5 milhões de euros cada uma), mais mil creches inexistentes (a 1 milhão de euros cada uma), mais mil centros de dia para os nossos idosos (a 1 milhão de euros cada um). Ainda sobrariam cerca de 3,5 mil milhões de euros para aplicar em muitas outras carências, como a urgente reabilitação de toda a degradada rede viária secundária.
Infelizmente, Portugal persiste no erro de preferir o supérfluo ao essencial, de ter governos PS, PSD e CDS mais interessados em defender interesses obscuros e não o interesse verdadeiramente nacional, de subordinar a qualidade da decisão política aos imperativos da economia neoliberal. Não se queixem os eleitores portugueses de que infraestruturas básicas numa sociedade desenvolvida lhes sejam retiradas pelos seus eleitos, a troco de um aparato que não passa de coisa nenhuma!