terça-feira, outubro 31, 2006

37 vezes Outono

Imerso no inexorável ciclo cósmico e na linear temporalidade de Cronos, despedi-me do ventre materno faz hoje 37 anos: aspiro os aromas da vida há 444 meses; testemunho as cores do espectro solar há 1776 semanas; fruo os paladares da Terra há 13320 dias; ouço as acústicas vibrações há 319680 horas...
Longe de estar saturado desta improvável deriva existencial - sermos gerados é a menor das probabilidades que, paradoxalmente, nos pode acontecer! -, a marca da vital contingência relembra a sua irrespondível ambiguidade: se a contagem é crescente, o limite é apenas e sempre expectável; se a contagem é decrescente, a que distância está o zero?
Entretanto, outro ciclo se escreve e inscreve no trilho sinuoso da rugosa textura de ser! Quando acabará a tinta?

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segunda-feira, outubro 30, 2006

Com a mão, não!

Em entrevista à revista brasileira Veja, na edição do passado dia 16, o iraniano Ali Khamenei afirmou, a propósito do Ramadão, que "se há intenção de masturbação, e se é sabido que é comum a ejaculação no processo, haverá a quebra do jejum".
Sem dúvida que este clérigo islâmico dá mostras de um profundo conhecimento prático desta onânica e carnal manipulação (devem ser os muitos anos de experiência acumulada!). Mas uma dúvida subsistiu no meu incrédulo espírito, ao ler a entrevista: haverá quebra de ramadânico jejum se for coito interrompido?

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sexta-feira, outubro 27, 2006

Pub(l)icidade

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Legendar o silêncio icónico (17)

A nazarena adormecida e o cão encantado.
(Não falta nada lá no Sítio!)

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quinta-feira, outubro 26, 2006

Antigos direitos, novos privilégios

As consequências de fenómenos sócio-económicos contemporâneos que concorrem para a precarização do trabalho, como as deslocalizações de empresas, os sucessivos aumentos de impostos directos e indirectos, a subida da inflação ou a flexibilização da legislação laboral, conduzem-nos à conclusão de que está em curso uma manifesta inversão semântica do conceito «privilégio».
Com efeito, é ideia cada vez mais recorrente que não só o desemprego é uma fatalidade incontornável, como é também proporcional à crescente tecnologização das sociedades. Por isso, coisas básicas que antes eram direitos fundamentais (trabalho, saúde, ensino, pensão na velhice, etc.) e que beneficiam a sociedade no seu conjunto, passaram a ser perspectivados como privilégios, fruto do paradigma político neoliberal dominante e tributário de um severo capitalismo económico globalizador. Parece, portanto, que há demasiados privilegiados por, por exemplo, usufruirem de emprego, mesmo que instável e precário.
Nesta conjuntura, mais preocupante é assinalar que o discurso político de esquerda em muitos países preponderantes - veja-se o triste caminho de "terceiras vias" das esquerdas moderadas europeias - acolhe placidamente este princípio frívolo de configuração social. A esquerda que tem feito parte do arco de governação meteu as preocupações sociais na gaveta e, em vez de alargar a outros os privilégios de poucos que têm muito, antes diminui os poucos benefícios dos muitos que têm menos, sob o pretexto de se se tratarem de privilégios e não de justos direitos.
É este quadro de acção política que incute nas sociedades contemporâneas o passivo conformismo e a subserviente aceitação face à miséria e degradação de crianças com fome e adultos vitalícia e irreversivelmente endividados, do desamparo na velhice, das injustiças da impunidade dos que têm poder (veja-se, por cá, o recente trânsito em julgado do processo da queda da ponte em Entre-os-Rios ou as irregularidades nas contas dos partidos), da desenfreada e escravizante competição económica, entre outras situações que são agora aceites como inexoráveis fatalidades. E quando o hábil discurso político de conveniência reduz as assimetrias e conflitos sociais à artificiosa dicotomia exclusão/inclusão (como no "roteiro para a inclusão" protagonizado por Cavaco Silva), o que pretende é escamotear que, entre os «incluídos» há, afinal, tantos «excluídos» na precariedade da vida activa, convertidos em descartáveis existências patrocinadas pela impessoal tirania do cifrão...

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terça-feira, outubro 24, 2006

Socrático desgoverno - II

v) O ministro Correia de Campos, com a altiva jactância que o caracteriza, anunciou impante a descida de 6% no preço dos medicamentos, mas omitiu convenientemente a simultânea descida nos valores de comparticipação dos mesmos por parte do Estado. Habilidosa gente, a deste desgoverno!
E que dizer da adopção de taxas moderadoras na saúde, que o PS na oposição - e este ministro com particular destaque! - tanto criticou ao tempo do defunto governo de Santana? As mentiras são como os males, nunca vêm só, e vai daí, ainda se alargam tais taxas aos internamentos e aos actos cirúrgicos, as quais nem constavam do programa de governo... A mentira torna-se mais grave quando se traduz em descarado e inconfessado roubo!
vi) Como se já não bastasse o anátema de os professores dos ensinos básico e secundário serem invariavelmente tutelados por teóricos académicos sem experiência nos níveis de ensino não superior - quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão! -, ainda por cima a ministra e os seus curiosos secretários de Estado são autocratas arrogantes, que perspectivam a escola como se de uma unidade fabril com fins lucrativos se tratasse e a sala de aula uma linha de montagem em série, segundo técnicas de um "eduquês" absurdo, estafado e inútil.
No quadro do afrontamento aos professores, estas criaturas seráficas optam agora pela chantagem nas negociações do ECD, vergados que foram pelo invulgar sucesso de dois dias de greve dos docentes. Estes políticos de gabinete não sabem que a negociação com sindicatos e demais estruturas representativas é uma imposição legal e não um gesto de condescendente boa vontade da tutela, que parece recorrer à imperativa disjunção entre "estar caladinho ou levar no focinho"!
vii) Outra pérola no inequívoco desnorte e desacerto governativo veio da ministra Pires de Lima que, primeiro, se disponibilizou para mediar o conflito que na semana passada opôs a Câmara Municipal do Porto e ocupantes do teatro Rivoli; este gesto de voluntarismo desvaneceu-se logo de seguida, pois a ilustre ministra entretanto lembrou-se que não concordava com a forma como as instalações teatrais foram ocupadas nem com a persistência dos ocupantes em recusar sair das mesmas. Vale que o ridículo não mata!
viii) Só mais um exemplo do socrático desgoverno: há dias, o secretário de Estado Castro Guerra justificou a necessidade de aumentar em quase 16% (!?) os preços da electricidade, argumentando que os consumidores é que eram os culpados por tal aumento. Depois, reconhecendo o disparate, asseverou que estava num "dia infeliz". Não, sr. Guerra, o senhor faz é parte de um governo infeliz!
Com um governo assim, regido por pseudodecisões, pelo improviso, pela propaganda, pelo marketing político e pela incompetência, Portugal é um exemplo flagrante e vivo que prova a veracidade da asserção de Pio Baroja: "é mais fácil enganar uma multidão do que um homem"!

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segunda-feira, outubro 23, 2006

Socrático desgoverno - I

i) Há dias, em Aveiro, o ministro Manuel Pinho declarou (ou decretou?) o fim da crise económica portuguesa. E isto na véspera da apresentação de um Orçamento de Estado restritivo. O que pensarão disto os portugueses da classe média em geral e, em particular, as centenas de empregados das fábricas da Johnson Controls de Nelas e de Portalegre e da Opel da Azambuja?
ii) O ministro Mário Lino anunciou que, a partir de 2007, três SCUT do Norte do país (A28, A29 e IC24) vão passar a ser portajadas, ficando de fora a SCUT do Algarve, com base em engenhosos critérios que excepcionaram a Via do Infante e penalizam sobretudo municípios geridos por autarcas não socialistas. Será só coincidência? Não, é discriminação!
Além disso, achar que a N13 e a N109 são vias alternativas é um torpe insulto de má fé ou a prova de irresponsável ignorância. Em que país vive o nédio ministro?
iii) A propósito de SCUT: em período eleitoral, José Sócrates afirmou na Covilhã: "caso seja eleito, as auto-estradas sem custo para o utilizador vão permanecer sem custos. (...) Foram obras socialistas. Não seria agora, pela mão do PS, que as portagens se tornariam uma realidade". Esta faz lembrar a promessa de campanha de não aumentar o IVA e dá crédito ao aforismo popular segundo o qual «é mais fácil apanhar um aldrabão do que um coxo». Objectivamente, Portugal tem, mais uma vez, um primeiro-ministro mentiroso! Se houvesse pudor e escrúpulo em Política, sobejariam razões para este socrático desgoverno ser dissolvido.
Mas se Sócrates não fosse mentiroso, conseguiria na mesma ter maioria absoluta?
iv) O Orçamento de Estado para 2007 estabelece normas com base em leis ainda não aprovadas pela Assembleia da República nem promulgadas por Cavaco. Isto é uma inversão da decência de procedimentos legislativos, um inconstitucional abuso de poder e uma clara ilegalidade. Será que o exemplo deixou, irreversivelmente, de vir de cima?

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sexta-feira, outubro 20, 2006

Humildade cristã ou exibicionismo católico?

O Cristo do Corcovado, ex-libris do Rio de Janeiro, fez 75 anos. A estátua mais elevada do mundo lá continua 709 metros acima do nível do mar, a lembrar a arrogância pedante e o capricho despesista do petulante catolicismo que, sob a forma de gigante e pétreo espantalho, impõe a imagem e a presença de uma contraditória perspectiva religiosa a todos os que professam outros credos ou são ateus. É um dos casos objectivamente identificáveis de exibicionismo da Igreja Católica (profícua em herética e profana iconografia), que se substitui à humildade essencial do Jesus histórico.
Por cá, o Cristo-Rei faz as vezes concorrenciais daquele - que Portugal é mais pequeno e há que manter as devidas proporções! Quer um quer outro têm ar pouco palestino, dadas as feições europeias que parecem ter (os deuses querem-se da raça e bonitos!)...
Aos não católicos só lhes resta ter os braços abertos a uma resignada paciência...

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quinta-feira, outubro 19, 2006

Um pacífico Nobel

Chama-se Muhammad Yunus e, em 1976, fundou no paupérrimo Bangladesh o Grameen Bank, pioneiro no conceito de microcrédito a pessoas sem recursos nem posses. O seu empenho no combate à pobreza foi reconhecido pela Real Academia Sueca, que lhe atribuíu o Nobel da Paz deste ano. Foi um dos prémios mais consensuais.
Yunus contrariou elementares regras e princípios convencionais da teoria económica, que ensinava na Universidade, encontrando uma solução prática para os mais desfavorecidos - ensinou-lhes a pescar, em vez de lhes dar o peixe! - que envolveu um modelo de financiamento muito arriscado. Se calhar, o problema de Portugal é esse: muitos académicos e teóricos da Economia a sentar o rabo nas cadeiras demagógicas do poder (político e financeiro) e a urdir subjectivas conveniências políticas travestidas de interesse público.
Para quando o Prémio Nobel da Incompetência, para que Egas Moniz e José Saramago não figurem sozinhos como lusos laureados? Portugal teria um dos monopólios de putativos vencedores!

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quarta-feira, outubro 18, 2006

Primum vivere deinde philosophare - 18 (2ª Parte)

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segunda-feira, outubro 16, 2006

Primum vivere deinde philosophare - 18

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O preço russo da liberdade de expressão

Há um conflito na Tchetchénia que dura há anos e que os média internacionais obliteraram, favorecendo a vocação imperial da Rússia que o fim da era soviética não fez esmorecer. Nesse recôndito lugar da Ásia, as tropas russas oprimem barbaramente um povo que luta pelo direito à autodeterminação, tal como aconteceu em Timor. Porém, no hipócrita jogo geoestratégico de interesses, convém ao Ocidente que a vastidão territorial da Rússia não se desagregue mais, sobretudo agora que Vladimir Putin vem prestando vassalagem aos desígnios norte-americanos.
No seio deste sinistro quadro de relações internacionais, há ainda vozes que apontam o dedo às injustiças, mesmo sob ameaças de morte. Anna Politkovskaia é um nome que passou a ser sinónimo de coragem: esta jornalista russa, de 48 anos, não se intimidou e enobreceu a dignidade deontológica da profissão de jornalista, engrandecendo-a na sua importância de veículo privilegiado de denúncia de factos e situações condenáveis de dominação violenta e tirânica. Politkovskaia era crítica da administração do seu país, em particular do seu aspirante a czar, Putin, escrevendo sobre a grave violação dos direitos humanos cometida pelo governo tchetcheno pró-russo, e mesmo sobre o regime coercivo no interior das tropas russas. Pagou com a vida a ousadia da sua intrepidez e perseverança em demandar dizer a verdade, pois foi brutal e cobardemente assassinada em Moscovo. Foi a 13ª vítima desde que Putin tomou o poder, em 2000.
A promíscua autoridade do país dos sovietes vigora a coberto do alinhamento no lado das conjunturais conveniências hegemónicas mundiais e minando a democracia interna pelo alargamento da influência do Estado através dos tentáculos da corrupção nepotista. O tamanho da Rússia continua proporcional ao tamanho da cruel impunidade dos poderosos. Não admira, sendo a Rússia dirigida pelo ex-chefe da KGB e - provando a desordem mundial da triste ONU - membro permanente do seu Conselho de Segurança... É este o mundo em que vivemos!

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quinta-feira, outubro 12, 2006

Legendar o silêncio icónico (16)

Satisfazer dois prazeres ao mesmo tempo...
(Com o patrocínio da Nossa Senhora do Alívio!)

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Quem espera desespera...

Acolho com satisfação cívica a iniciativa do Bloco de Esquerda de apresentar um projecto de lei que defina os tempos de espera máximos em hospitais e centros de saúde, para uma consulta ou cirurgia, e os divulguem aos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Com efeito, é tempo de pôr cobro aos abusos da paciência dos pacientes nos tempos de espera. Concordo que a responsabilização pelos excessivos tempos de espera deve ser partilhada e as penalizações por isso não devem recaír exclusivamente sobre as instituições de saúde, mas também, e individualmente, aos médicos e pessoal auxiliar, considerando sempre, claro, as condições laborais, técnicas, logísticas, etc., que são proporcionadas em cada estabelecimento de saúde.
Como é que, na classe política, só agora alguém se lembrou de que, não bastando já as maleitas do corpo, quem espera desespera!?

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terça-feira, outubro 10, 2006

Os sensacionalistas erros de paralaxe jornalísticos

Quem habitualmente conduz nas estradas portuguesas, não se surpreenderá se souber que há, entre outros, condutores sem carta de condução, ao volante de carros sem seguro e/ou sem inspecção, muitas vezes conduzindo alcoolizados e em viaturas roubadas, tantas e tão graves são as infracções cometidas e enorme a falta de civismo. Felizmente que, em certos casos, a autoridade policial intercepta estes criminosos sobre rodas, como aconteceu na última semana em duas ocorrências amplamente noticiadas, ambas na área metropolitana do Porto.
Porém, o desfecho das mesmas implicou o recurso a armas de fogo por parte de militares da GNR, para neutralizar as fugas perigosas encetadas por jovens marginais que, com os seus actos criminosos, puseram em risco a segurança e a integridade física e patrimonial de pessoas e bens nos locais por onde violaram ostensiva e sucessivamente elementares regras do Código da Estrada e desobedeceram às ordens de paragem dos policiais perseguidores. Como resultado, quatro jovens foram baleados, tendo um morrido de imediato e três estão, ao que consta, em estado crítico.
Claro que é preciso apurar responsabilidades e que se faça um completo esclarecimento das trágicas ocorrências. Mas o modo como a comunicação social fez a cobertura noticiosa, sobretudo a imprensa e a televisão (com directos à porta de tribunais e entrevistas a familiares e amigos dos fora-da-lei), é parcial e indutor de juízos de valor que sugerem uma análise emocional dos factos: até parece que os militares da GNR são assassinos que tiram injustificadamente a vida a gente inocente!
Se, durante as fugas, os fugitivos provocassem uma desgraça e não fossem detidos, então as forças policiais seriam mais uma vez alvo de críticas pela ineficiência e impotência em matéria de garantia da segurança dos cidadãos. Preso por ter cão e preso por não ter, temo que incidentes deste género incutam nos guardas e polícias (já de si desmotivados pelos baixos salários, más condições de trabalho e, diga-se a verdade, impreparação de muitos deles para usarem armas e agirem convenientemente em situações delicadas e sob stresse) uma progressiva atitude de desleixo e indiferença - a que por vezes já se assiste! -, que faz perigar a preservação do Estado de direito e o respeito pela autoridade e pelo seu exercício. E não é preciso ter paranóias securitárias para recear o crescimento do sentimento de insegurança...
Tal cobertura jornalística insere-se no que designo de "estratégia TVI", assente num sensacionalista erro de paralaxe que consiste em tornar a sóbria difusão de efectivas notícias em filmes de acção sanguinolentos ou fait divers sem qualquer pertinência. Pena que haja acéfalos incautos e distraídos que são afectados e deixem de discernir entre o essencial e o acessório, aderindo à piedade pelos fora-da-lei que nutrem a faca e o alguidar do decadente jornalismo que pulula na demanda de audiências. Afinal, que direito têm os agentes da autoridade em andarem armados e a perseguir desobedientes condutores de carros roubados, sem seguro nem inspecção, e na posse de haxixe? Direito não têm nenhum - têm o dever!

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quarta-feira, outubro 04, 2006

Um aniversário canino e outro republicano

Hoje é Dia do Animal, o que significa que há razões preocupantes que justificam um tal destaque, concomitantes com a cruel superioridade do Homem face ao planeta que julga ser seu e o exclusivo detentor de direitos de propriedade nele.
Amanhã, o Óscar, cão de família, completa 11 anos de idade, não disfarçando os sinais de envelhecimento próprios do Outono da vida em que já se encontra. Modéstia à parte, o Óscar até se pode queixar do reumatismo que o molesta e diminui fisicamente (já não se ergue sobre as patas traseiras a pedir colo, não salta do sofá nem para ele sobe, nem aguenta já passeios de longas caminhadas), mas não de ter uma "vida de cão", beneficiário que sempre foi de afecto e carinho, conforto doméstico e comida a horas cuidadosamente confeccionada. Na sua pequena boca, apenas resta um recôndito molar, numa odontológica ausência que lhe faz pender a língua para fora do focinho, no lado esquerdo (tendência ideológica?). A erosão dos anos só não lhe dá rugas nem lhe retira o apetite.
É um cão pequeno, de raça bichon maltês, um pouco maior que os caniches e com pêlo alvo anelado que, quando comprido, lhe esconde os olhos, as comissuras da boca e as patas, parecendo um peluche animado. Carácter nervoso e desconfiado, agressivo por vezes, nem por isso deixa de ter índole amorável e terna, meigo e exemplar na arte de bem receber as pessoas em casa. Em toda a vida, não teve ligações amorosas, pelo menos conhecidas, o que não fere a sua dignidade de macho: o mundo já está superpovoado e as poucas cadelas com que se cruzou nas deambulações de rua - e em que a trela condiciona a sua súbita e intempestiva mobilidade - são mais altas do que ele e, logo, não chega onde devia; nem sabe sequer o procedimento, na sua ingenuidade de cão virgem, pendurando-se indevidamente na boca dos caninos transeuntes com que contacta, adepto talvez do sexo oral.
Não tendo ainda a provecta idade de Argos, cão de Ulisses e, por via disso, o mais famoso e ilustre representante do canil literário, a conversão da idade do Óscar para um humano paralelismo etário dá-lhe à volta de 75 anos, tornando-o um ancião da família, mas menos anoso que a República em Portugal, que no mesmo dia completa 96 anos - quase centenária! O Óscar e a República orgulham-me como humano e cidadão português, numa aniversariante conjugação que me fazem ter um grande apreço pelo dia 5 de Outubro.
A ambos os meus Parabéns e votos de uma vida longa, mesmo com a privatização próxima da Segurança Social!

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terça-feira, outubro 03, 2006

Pequena grande incoerênciaZita

Defende a sabedoria popular que «só os burros não mudam». Eu, que da espécie asinina pouco sei, até concordo, desde que a tal mudança esteja subjacente uma ponderada reflexão e profícuo debate, e sempre fiel a um conjunto de princípios básicos associado a uma invariável matriz referencial de valores. Por conseguinte, excede o meu poder de compreensão justificar mudanças antipodais de opinião, passando a defender-se hoje o oposto do que se defendeu ontem, sobretudo se tais comportamentos de "vira-casaca" vêm de gente adulta e políticos profissionais.
É o triste caso de Zita Seabra, um paradigma vivo e actual (e infelizmente também actuante!) desta espécie de mutantes ideológicos que lhe subtrai a credibilidade e a seriedade: esta deputada camaleónica (sem ofensa para o policromático réptil!) advoga hoje posições e modelos de perspectivação sócio-políticos que a fariam corar de indignação quando, nos não muito remotos idos de 70 e 80, se sentava bem mais à esquerda no hemiciclo parlamentar. O aborto é uma dessas matérias: enquanto marxista-leninista não se opunha à sua prática e, agora, encarna a figura de púdica conservadora, traindo princípios de que fez a apologia num passado próximo. Aliás, são atitudes incoerentes deste quilate que me impedem de compreender que um comunista se converta à ideologia neoliberal e se filie no PSD... A ela, como a Pacheco Pereira ou a Durão Barroso (ambos ex-maoístas convictos e, ao que parece, pretéritos militantes fervorosos) não confiaria o meu cão!
Desconfio e antipatizo com quem anda ao sabor de interesses vigentes, tirando disso proveito e fazendo profissão. Mas a senhora continua a fazer favores e recados à côrte laranja, não surpreendendo que seja a editora de um livro recente de memórias do inenarrável Santana Lopes - não creio que o ex-autarca (tenho pudor em chamá-lo ex-PM) tenha a qualidade dos Gato Fedorento, não obstante a comicidade da sua figura e acções. Quanto à deputada social-democrata, estranhei não a ter visto no Compromisso Portugal!
É lamentável que haja gente que Seabra a tão incongruentes possibilidades...

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Primum vivere deinde philosophare - 17

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