sábado, abril 29, 2006

A santa meretriz da paz

Durante os anos 80 e até meados dos anos 90, Anna Ilona Staller era internacionalmente conhecida como uma das mais mediáticas actrizes porno; o seu pseudónimo "artístico" era Cicciolina. Chegou mesmo a ser deputada no Parlamento italiano, o que não admira, pois dar crédito a Berlusconi é bem mais surpreendente e inacreditável... Anna tem hoje 55 anos.
Mas por que razão escrevo sobre ela? Muito simplesmente porque a diva continua a pensar nos homens, desta vez com intuitos menos ninfomaníacos e mais filantrópicos: Cicciolina disponibilizou-se para dar íntimas carícias e genital afecto ao terrorista mais procurado da história, Osama bin Laden; em troca, pede-lhe apenas que ponha fim aos actos criminosos que inspira e de que é mentor. Ou seja, estamos perante um cenário antes impensável, no qual o sexo seria afinal a arma mais eficaz para resgatar a paz mundial!
É provável que o terrorista saudita ande perturbado, não só com o infiel gentio que ignora os preceitos corânicos, mas também por se ver obrigado a um celibato forçado, a prolongadas abstinências carnais (contrariando as polígamas possibilidades da sua fé) impostas pelos inóspitos e desabitados desertos que é obrigado a frequentar. Porém, se considerarmos a discriminação de género dos fiéis de Alá e a promoção da violência e da barbárie de que bin Laden é adepto, ninguém discordará que Cicciolina actua, entre outros, em nome de valores éticos e morais e dá provas de uma hercúlea e oceânica coragem por estar disposta a meter-se na cama com o lobo!
Assim, daqui lanço já os seguintes reptos e apelos: a D. José Saraiva Martins, que comece a cogitar no processo de beatificação e posterior canonização de (Santa) Anna Ilona, padroeira das prostitutas; à norueguesa academia competente, que candidate a sensual húngara ao Prémio Nobel da Paz de 2006; a Jorge Sampaio, perdão, a Cavaco Silva, que lhe atribua uma das muitas e habituais comendas em voga para pôr no seio - ao peito, quero dizer; à Organização Internacional do Trabalho, que pressione todos os governos no mundo para reabilitar a mais velha profissão do mesmo e lhe seja reconhecida a importância que efectivamente tem; e, finalmente, but not the least, às rameiras de Washington, que tentem dulcificar a austera vida cristã de Bush, e que o entretenham o melhor possível, evitando com isso que o texano continue a debitar asneiras e mentiras e a fazer sucessivos disparates e terroristas cobóiadas...
Bem haja a todas as meretrizes que se sacrificam com propósitos tão deontologicamente dignos e elevados, grandes sucessoras que são de Maria de Magdala, expostas a todas as preconceituosas pedras!

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sexta-feira, abril 28, 2006

In vino veritas

O socrático (des)governo desta amorfa e masoquista Lusitânia continua a somar pontos. Um recente projectado projecto de projecto de reforma dos inquilinos de São Bento - entretanto já desmentido (se o clima fosse como este grupo do Engenheiro beirão, a Meteorologia seria um par da Astrologia!) -, veio pelo génio de Ascenso Simões, o secretário de Estado da Administração Interna (sim, estes tarefeiros também não abdicam de querer mandar). Num país com uma sinistralidade rodoviária que compete em mortalidade gerada com muitos conflitos armados da história, o secretário de António Costa quer resolver este mal nacional e, para isso, divulgou que quer baixar a taxa de alcoolémia no caso do sector vitivinícola não tomar medidas que conduzam a uma diminuição do consumo de bebidas alcoólicas.
Como se constata, este (des)governo continua pródigo na arte de confundir o trigo com o joio ou, mais quixotescamente, ver gigantes onde estão moinhos. Se é certo que o vinho é um culpado, o precioso líquido de Baco não é o culpado. Mas o senhor secretário de Estado, depois de certamente ter analisado exaustivos e volumosos dossiês contendo profundíssimos estudos sobre o tema em apreço, concluiu, no silêncio e conforto do seu asséptico gabinete, que a culpa dos mortos nas estradas portuguesas não é do governo nem da irresponsabilidade dos que conduzem após consumirem bebidas brancas, nem da inadequada metodologia de aprendizagem da condução nem simplesmente da falta de civismo dos automobilistas... Não, a culpa é dos criminosos produtores de vinho; a culpa é do vinho!
Vai daí, ou os vitivinicultores começam a fazer prevenção rodoviária, a fazer testes de alcoolémia à porta de bares, restaurantes e discotecas (até porque a Brigada de Trânsito e a PSP desconhecem onde se localizam tais estabelecimentos), a projectar e a construir estradas adequadas, a melhorar ou corrigir sinalização gráfica e no pavimento; ou o governo lhes cai em cima com a sua implacável espada justiceira, baixando a taxa de alcoolémia, levando-os à inexorável ruína. E assim, uma vez identificado o bode expiatório, Portugal vai ver definitivamente erradicado o mal que nos devia envergonhar. Tal deslocado voluntarismo faz-me lembrar as sábias palavras do filósofo Charles-Louis Montesquieu (1689-1755): «Não há pior tirania que a que se exerce à sombra das leis e sob o calor da justiça».
Mas porque o vinho não só faz muito bem à saúde e recomenda-se, como tem também a redentora propriedade de restabelecer a verdade, In vino veritas, e sendo a verdade como o insolúvel azeite, o propósito de Ascenso Simões foi desautorizado e considerado como mero "desabafo". A sugestão aconselhável que posso dar é propôr que, de cada vez que entrem ao serviço, todos os governantes, incluindo secretários de Estado, soprem no policial balão. Afinal, a maneira mais objectivamente mensurável de bufar e desabafar!

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quinta-feira, abril 27, 2006

Um caso infeliz de presidencial humor involuntário

Cavaco Silva continua o seu discreto mutismo, só interrompido com episódicos discursos solenes. Mas, se no tempo do pleito eleitoral, o vazio de ideias que evidenciou e o seu silêncio foram lamentáveis - aliás, como o foram os de Sócrates (mas é assim que paradoxalmente se ganham eleições em democracia) -, não se comprometendo o conservador algarvio com ideias, projectos ou atitudes consistentes e substanciais (a praticamente tudo disse «nim»), já na circunstância actual, em que desempenha o papel de chefe de Estado, essa reserva e discrição são, do meu ponto de vista, prudente e institucionalmente recomendáveis.
Mas há uma razão que, entre outras, contribui para que Cavaco Silva adopte esta atitude de mudez presidencial: é um político (embora cinicamente se faça passar por não-político) sem espontaneidade assertiva, fruto também do pragmatismo ideológico que consiste em ter ideias avulso e ao sabor da conjuntura, bem como resultado de um comportamento político avesso a compromissos (excepto os que têm índole economicista). Por exemplo, veja-se o oportuno distanciamento, para não dizer marginalização, a que votou o PSD e o CDS, partidos que o apoiaram oficialmente, durante a demanda electiva do início do ano.
Ora, esta segura insegurança declarativa manifestou-se logo na sua primeira deslocação enquanto Presidente da República, quando visitou o Hospital Dona Estefânia, no dia 9 deste mês (um mês depois da tomada de posse: discutível morosidade ou rigoroso cálculo?). Cavaco Silva interpelou uma das crianças internadas com um infeliz «Estás bom?»; melhor seria que trouxesse um chupa-chupa, um livro de BD ou um ursinho de pelúcia, ou então um diálogo ensaiado, uma estorinha ou um discurso escrito para a criança ouvir... Valeu que estava umbilicalmente ao seu lado a presidencial esposa, que das damas é agora a primeira, e que, imediatamente, comentou ao eminente esposo que, se estivesse bom, o petiz não estaria internado num hospital. O Presidente corrigiu com nova pergunta: «Estás melhor?»
Mas há males e males... Brevemente, um tal deslize do mais alto magistrado da Nação terá menos probabilidade de ocorrer em Barcelos, Nelas, Vouzela, Guarda, Fundão, Elvas e outros lugarejos afins. Será por isso que o Primeiro-Ministro vai encerrar serviços e unidades de saúde, para evitar embaraços presidenciais que descredibilizem o aforismo «raramente me engano» e assim retribuir a harmonia institucional?

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quarta-feira, abril 26, 2006

Estado dubitativo - 3

No volume 1 do seu diário, a que deu o título de Conta-Corrente, Vergílio Ferreira escreveu o seguinte no dia 26 de Abril de 1974:
"Vitória. Embrulha-se-me o pensar. Não sei o que dizer. Uma emoção violentíssima. Como é possível? Quase cinquenta anos de fascismo, a vida inteira deformada pelo medo. A Polícia. A Censura. Vai acabar a guerra. Vai acabar a PIDE. Tudo isto é fantástico. Vou serenar para reflectir. Tudo isto é excessivo para a minha capacidade de pensar e sentir."
Decorridos 32 anos, será que, no trânsito entre o sentir, o pensar e o dizer, não teremos nós hoje, também, que "serenar para reflectir" sobre ilusões frustradas e ideais adiados? Quando é que a desilusão deixará de ser "excessiva para a nossa capacidade de pensar e sentir"? Quantas batalhas mais para a "vitória" da esperança sobre o decrépito saudosismo, da liberdade lúcida sobre a bruma conservadora?
P.S. - Quem ontem ouviu o discurso de Cavaco Silva no Parlamento deve ter ficado perplexo: um conservador ter uma intervenção marcadamente de esquerda, reconhecendo a exclusão social e as assimetrias várias de que padece Portugal e criticando a distância a que estamos de uma sociedade efectivamente com princípios de justiça social, só nos reintegra na irresolúvel desordem das coisas... Para mais, sem cravo na lapela!

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Legendar o silêncio icónico (2)

Culto universal a um deus omnipresente.
(Nesta religião, o clero designa-se de pipocas.)

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segunda-feira, abril 24, 2006

A Revolução dos Cactos ou o 25 do 4

A classe política, aliada à persistentemente negativa conjuntura internacional e ao tradicional conformismo e passividade cívicas (ou cínicas?) da lusa gente, têm frustrado grande parte dos ideais que inspiraram e motivaram a Revolução dos Cravos. A arrogância ditatorial e o decano nepotismo atávicos do Estado Novo foram substituídos, desde 25 de Abril de 1974, pela instauração de um regime (questionavelmente) democrático que gorou legítimas expectativas de desenvolvimento, de mais igualdade de oportunidades e de maior justiça social.
Com efeito, ao longo dos últimos 32 anos têm-se desvanecido sucessivas oportunidades de desenvolver, descentralizar e mesmo democratizar e, não fossem o milionário financiamento e a exigente normatividade da União Europeia, Portugal estaria ainda mais afundado na cauda dos diversos rankings que classificam e comparam o estado dos Estados. Nunca as assimetrias sociais, demográficas e regionais foram tão grandes; nunca foi tão profundo e ingente o fosso que separa ricos e pobres, ao ponto de se ouvir dizer a muitos que preferiam que Portugal perdesse soberania a favor de uma Ibéria já há tanto tempo ponderada e congeminada. [Há quem, na identificação de culpados, remonte a 1 de Dezembro de 1640 e lamente a execução de Miguel de Vasconcellos!]
O que é certo é que, mais de três décadas depois, a via ultraliberal seguida (de capitalismo selvagem, desumano e ecologicamente desastroso) conduziu a taxas de desemprego inéditas, a emprego precário e a baixos salários. A carga fiscal que pesa sobre os portugueses é das mais elevadas da Europa e continua a aumentar, originando uma galopante perda continuada do poder de compra, mesmo com taxas de juro e de inflacção estabilizadas, controladas e relativamente baixas. Os sucessivos governos negligenciam sectores vitais da economia e dos serviços: privatizam desenfreadamente, desinvestem na educação, na saúde e na justiça, demitem-se de prioridades de acção reformadora efectivamente adequadas e necessárias, fomentam a irracionalidade burocrática, o clientelismo e carreirismo partidários, o caciquismo autárquico e a destruição de uma cultura de mérito e de competência.
Estou convencido que os progressos registados, que felizmente também os houve (nas acessibilidades, na habitação, nos transportes, na distribuição de água e no saneamento básico, na rede eléctrica, na escolarização, na internet, etc.), embora nem sempre ao ritmo adequado e com a qualidade desejável, decorreram mais de imperativos políticos subliminares, ocultados pela retórica demagógica da elite dirigente, do que de sincera vontade de responder aos anseios dos mais carenciados e pobres. Por exemplo, facilmente se constata que Portugal é um país excessivamente dominado pela banca, responsável em grande medida pelo hiperbólico endividamento familiar (118%!).
Ouçam-se os discursos solenes dos sucessivos governantes, de 1974 até hoje, e confrontemo-los com a realidade. Chega a ser trágico, nalguns aspectos, tirar conclusões desse cotejo! O paradoxo criado é evidente: actualmente, a evolução científico-tecnológica, com tudo o que ela permite em termos de bem-estar e de qualidade de vida, é inacessível à maioria e privilégio de uma minoria; o progresso material não é uniforme nem universal, o que faz da retórica política, pretensamente democrática, um grande e monumental embuste!
Fecham-se escolas, centros de saúde e maternidades, atravanca-se o litoral com o êxodo do interior; desresponsabilizam-se os governantes pelas más políticas e pela corrupção que favorecem, constituindo-se os partidos e os agentes políticos apenas como males menores e inevitáveis, e não como entidades dignas de credibilidade e confiança (curiosa a recente e inaudita falta de quorum de votação no Parlamento, em pleno mês de Abril); o sucesso educativo que advém da massificação do ensino oficial é irreal e fruto de um sistema laxista e permissivo; poucos podem aceder a bens e serviços de qualidade, só ao alcance de uma pouco democrática minoria...
Em suma, o 25 de Abril é hodiernamente, e cada vez mais, uma data cujo memorável sentido e conteúdo histórico cede lugar à espinhosa herança que se vai recebendo, pelo que, em vez de cravos, não tarda teremos cactos como sua flora simbólica, e aquele distante dia ainda não é apenas um indistinguível, discreto e indiferente 25 do 4, graças a... ser feriado nacional!

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quinta-feira, abril 20, 2006

Legendar o silêncio icónico (1)

Corações ao alto e cabeças ao Bento!
(Chegou a especular-se que Joseph Ratzinger é fã de Tintin.)

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quarta-feira, abril 19, 2006

A deriva capitalista e a voragem de Cronos

Punhamos os dados fundamentais em cima da mesa!
A crescente avalanche de medidas legislativas relacionadas com o mundo do trabalho vão, indubitavelmente, no sentido de favorecer o paradigma ultraliberal vigente há décadas e cuja hegemonia tem amedrontado o poder político, que, assim, se subordina cobardemente ao poder económico. Daí que, no quadro da dominação dos mecanismos especulativos próprios da economia de mercado, se adoptem políticas que têm determinado sacrifícios extemporâneos, injustificados, injustos, desadequados, para não dizer... criminosos!
Tais políticas de pendor capitalista estão invariavelmente a conduzir, neste mundo globalizado, à escandalosa depredação dos recursos naturais e consequente destruição do equilíbrio ecológico, bem como a fenómenos massificados de exclusão e pobreza sociais. Aliás, o modelo económico capitalista desvaloriza os direitos humanos a um ponto tal, que muitos produtos incorporam mão-de-obra escrava e/ou infantil, ou são geneticamente manipulados. O desrespeito a principais elementares de ética justificam-se em nome dos interesses privilegiados do mercado.
À semelhança de outros governos pelo mundo fora, o do Eng. Sócrates conquistou o poder e exerce-o contrariando muito do que prometeu na disputa eleitoral (por exemplo, aumentou o IVA e agora mais de um milhão de pensionistas vão passar a declarar o IRS) aos que - ingénua ou irresponsavelmente? - o elegeram.
O aumento da idade da reforma, face ao presumível esgotamento próximo do modelo tradicional de financiamento e sustentabilidade da Segurança Social, e, por outro lado, a sagrada trilogia Produtividade - Competitividade - Flexibilidade, vão ter efeitos tão perversos que se constituem como soluções que não só não resolvem os problemas, como os agravam. Vejamos:
i) Com uma mais tardia reforma, acumular-se-ão nas empresas e noutros sectores de actividade (escolas, hospitais, tribunais, forças de segurança, etc.) trabalhadores mais velhos e que, por isso, tendem a ser menos produtivos (o metabolismo não perdoa!) e simultaneamente mais caros e mais resistentes à permanente necessidade de actualização e requalificação tecnológica nos sectores de ponta. Além disso, ocuparão mais tempo lugares que deixam de estar vagos e preenchidos pelos mais novos - o desemprego aumenta. Logo, poupar-se-á em reformas o que se consumirá em subsídios de desemprego e aumentará exponencialmente a precariedade dos vínculos laborais.
ii) Para obter ganhos de produtividade e ser competitivo, o mercado exige friamente dos Estados que decretem a extinção de direitos sociais dos trabalhadores, o que passa, por exemplo, pela imposição de maior flexibilidade laboral. Consequentemente, cada vez mais trabalhadores laborarão mais tempo (e com diminuição do poder de compra!) e terão menos tempo livre para lazer e menos disponibilidade para o acompanhamento e convívio familiares, resultando daí a baixa da natalidade (já tão notória e visível) e envelhecimento da população, o desincentivo da conjugalidade e a quebra de laços afectivos diversos, o incremento da educação informal dos filhos por agentes de socialização como os avós, a TV, artefactos tecnológicos e afins, dada a ausência dos pais e mães ocupados pelos ossos do ofício, etc. etc., numa espiral ou ciclo vicioso de consequências temível e infelizmente imprevisíveis...
Em suma, o caminho que se percorre é dilemático. Não havendo modelos ou soluções perfeitas, o sistema capitalista não é seguramente justo nem ideal. Corroborando o filósofo Henri Fréderic Amiel (1821- 1881), a ambição do lucro faz com que «a necessidade seja dinamicamente o contrapeso da espiritualidade»; e a voragem capitalista lá vai devorando as nossas subtilmente escravizadas vidas, filhos que somos do consumismo que alimentamos e nos mata, tal como no mito em que Cronos, o deus do tempo, para sobreviver devora impiedosamente os seus próprios filhos.
Porém, nada é eterno e não há mal que sempre dure, o capitalismo inclusivé. Como se fará a mudança? Cronos o dirá!

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terça-feira, abril 18, 2006

Justiça com a benção de Santa Engrácia

A justiça nunca conheceu bons dias em Portugal, é lenta e funciona mal. São vários os responsáveis por isso, com os sucessivos (des)governos à cabeça, o que faz com que a culpa vá morrendo solteira e tudo fique cada vez mais na mesma. Nenhum cidadão minimamente informado e esclarecido acredita na isenção e eficiência do aparelho judicial português. Aqui, os tribunais assemelham-se aos outros órgãos de soberania: desempenham deficientemente o papel social que lhes cabe, ao ponto de não ser descabido propor que o novo símbolo da Justiça pudesse ser uma lesma ou um caracol, sem os olhos vendados... Mal daqueles que tenham que recorrer a hospitais ou a tribunais, e a coisas que tais!
Mais de cinco anos depois, amanhã vai começar finalmente o julgamento do processo da queda da ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, na qual morreram 59 pessoas. Devido aos vários avanços e recuos processuais - como é costume por cá -, esta morosidade acaba por ter o efeito mórbido de ressuscitar fantasmas adormecidos, ao provocar nas famílias das vítimas, e nas pessoas em geral, o relembrar de um acontecimento que a todos chocou, impondo uma espécie de segundo luto, agora que os anos entretanto decorridos tinham ajudado a dissipar a memória da tragédia.
Ninguém no seu perfeito juízo poderá dissociar o colapso desta ponte de um conjunto de factores diversos que para ele contribuiram e nos quais se deve incluir, necessariamente, a desenfreada extracção de areias próximo dos pilares da estrutura de má memória. Mesmo assim, um incrível juíz (?) de instrução criminal, que os pais baptizaram de Nuno Melo, havia anterior e magnanimamente sentenciado que a ponte caiu por causas naturais (se calhar com razão, pois as leis da física são incontornáveis!), tendo despronunciado todos os arguidos. Com exemplos destes, como acreditar na justiça?
Curiosamente, o projecto de revisão do Código Penal, a aprovar brevemente pelo grupo do Eng. José Sócrates C. Pinto de Sousa, responsabilizaria igualmente as empresas para quem os arguidos trabalhavam, no caso de se comprovar que estes actuaram sob as ordens das respectivas empresas. Assim, se fosse agora, a Estradas de Portugal (ex-JAE) e a ETEC estariam também no rol de arguidos deste processo. A este ritmo, quem decide e legisla não morre de stresse...
Acusados de crimes de violação das regras técnicas, agravado pela morte de pessoas, os seis arguidos incorrem numa pena que pode ir até dez anos e meio. São todos engenheiros (será que dantes também se ingressava em Engenharia com médias negativas?) e têm de idade 57, 59, 66, 67, 77 e 81 anos. Ora, sendo a justiça como as obras de Santa Engrácia, se já não se corre o risco de alguns arguidos morrerem de velhice antes de serem julgados, oxalá não tenhamos nova Casa Pia e alguns arguidos serem condenados ou absolvidos postumamente!

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sábado, abril 15, 2006

«Políticos, Caciques e Outros Anátemas» - 7º Acto

Sem quorum também na Assembleia da República!
No plenário do passado dia 12 de Abril, véspera de feriado e de fim-de-semana prolongado, houve falta de quorum de deliberação, pois apenas estavam no Parlamento 111 dos 230 deputados, sendo necessários pelo menos 116 para se poder proceder às votações regimentais - estavam agendadas oito votações. Só o Bloco de Esquerda tinha a quase totalidade dos seus deputados (dos oito, só uma deputada estava ausente num congresso partidário na Dinamarca).

Que belo exemplo este - mais um! - que a lusa classe política dá aos seus concidadãos...
Sou professor há doze anos e ainda injusta e inadmissivelmente deslocado e privado de vagas de colocação mais perto do meu local de residência. Continuo a percorrer o país. Não obstante, de mim exigem os políticos do costume sacrifícios vários: espírito de missão, dedicação à causa pedagógica; congelam-me aumento de vencimento e progressão na carreira; recusaram-me sempre subsídio de deslocação e/ou de alojamento; por cada ano que adiciono ao tempo de serviço, desço na prioridade da escola em que sou colocado; querem que passe mais horas na escola em absurdas, patéticas e populistas aulas de substituição, em escolas sem suficientes meios logísticos e recursos para os professores e alunos desenvolverem condignamente o seu trabalho, subestimando-se a importância e o valor da preparação de aulas, e todo o labor conexo de pesquisa, que qualquer docente competente tem de realizar em casa; sucessivas medidas restritivas, oriundas de mais um(a) sinistro(a) titular do Ministério da Educação, cerceiam direitos adquiridos, acompanhadas da divulgação demagógica junto da opinião pública da ideia de que os profes faltam desmesuradamente e têm privilégios demasiados...
Mas que igualdade de direitos e que justiça social querem estes políticos hipócritas? É da nossa classe política que vem a ideia brilhante de querer elaborar um quadro jurídico paralelo que se lhes aplique, uma justiça de eleitos e de elites distinta da vigente para a ralé que manipulam, mais digna talvez do estatuto de corruptos e criminosos de colarinho branco! São os sucessivos governos que vão asfixiando o orçamento da Polícia Judiciária, cujas competências ainda podem ameaçar e incriminar políticos pelos crimes que cometem no exercício das suas funções, abusando do poder enquanto o ocupam (José Sócrates e o licenciamento do Freeport de Alcochete é só um e recente exemplo!). A impunidade vai continuar a ser o privilégio dos poderosos.
Os exemplos de inconsistência entre o que defendem e o que praticam não esconde a apologia que fazem do lema de frei Tomás. Só faltava agora mais este injustificável enésimo exemplo.
Portugal é, como outros, um Estado a prazo: a globalização económica e as exigências normativas da União Europeia são alguns dos fenómenos que vão, a pouco e pouco, dissolvendo a soberania deste rectângulo ibérico, cada vez menos autónomo. Mas isso até pode ser uma vantagem, pois mais depressa nos livramos deste bando de oportunistas que povoam os lugares de decisão e enxovalham a nobreza da actividade política. Bom mesmo seria uma OPA de Bruxelas a São Bento. Porém, compreendo que tal OPA não se faça: é que o que se adquire é tão fraco e tem tão pouco valor, que não compensa o investimento e a perda de tempo!

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quarta-feira, abril 12, 2006

Da ingénua propensão para crer em milagres

Um recente estudo publicado na edição de Abril do Journal Of Paleolimnology conclui peremptoriamente que, ao contrário da ingénua crença difundida biblicamente, Yeshua Bin Yosef, mais simplesmente conhecido entre nós pelo mi(s)tificado nome de Jesus, terá caminhado sobre uma camada de gelo no mar da Galileia, ou lago Tiberíades, e não sobre água em estado líquido. Nessa época, num período compreendido entre há 1500 e 2600 anos, as condições meteorológicas nessa região da actual Israel eram particularmente rigorosas e, por conseguinte, haveria gelo suficientemente espesso para suportar o peso de um homem numa parte do lago Tiberíades.
Para explicar a ilusão de ver Jesus a caminhar em cima de água, registada e veiculada por três dos quatro evangelhos no Novo Testamento - qual livro de estórias infantis para incipiente senso comum! -, o principal autor deste estudo, o cientista Doron Nof, professor de Oceanografia na Universidade de Miami, afirma que, com a camada de gelo parcialmente coberta de água, observadores posicionados a alguma distância do "evento milagroso" não veriam o gelo e, por isso, poderiam acreditar que uma pessoa em pé ou a caminhar no lago estivesse real e profanamente deambulando sobre o elemento líquido. O que se perdeu em crua verdade ganhou-se em conveniente e engenhosa ficção criativa!
Já no início dos anos 90, o mesmo Doron Nof havia publicado um estudo segundo o qual a travessia pedestre do Mar Vermelho pelos hebreus conduzidos por Moisés, contada no Velho Testamento (outro interessante documento do género literário de Hans Christian Andersen ou Tolkien), pode explicar-se também cientificamente: tratar-se-ia, neste caso, de um outro fenómeno meteorológico no qual ventos moderados, a soprar durante vários dias no Golfo do Suez, tiveram por efeito afastar águas de fraca profundidade num muro de 2,5 metros de altura; depois, uma simples mudança na direcção dos ventos bastou para fazer desmoronar esse muro de água. E foi assim que, após a passagem da hebraica gente pelo Mar Vermelho, um exército de crueis soldados do faraó que a perseguia aí encontrou sepultura...
Depois de Copérnico, Darwin e Freud, não param de nos surpreender estas outras revelações que, não sendo de metafísica inspiração divina que nutre a ávida fé, são de racional fundamento empírico que nutre a procura da objectiva verdade. Em comum, têm o serem escritas pelas mãos do Homem. De diferente têm o sentido da visão com que se perscruta o real: é que, como se sabe e melhor ainda se entende, o maior cego não é aquele que não vê, mas sim aquele que não quer ver!

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segunda-feira, abril 10, 2006

Evangelizações de legalidade duvidosa

Enquanto passeava o cachorro, fui abordado por dois "elders", também conhecidos por "mormons", facilmente reconhecíveis pela camisa branca, gravata e calças pretas de corte clássico. É a segunda vez que estes emigrantes norte-americanos me interpelam na rua, sempre aos pares, mas da primeira vez tive mais sorte, visto serem duas as jovens da congregação que me abordaram, uma das quais particularmente bonita. Desta vez foram dois mastuços de carinha lavada e fisionomia ariana. De ambas as vezes constatei que estes autoproclamados missionários não estão bem preparados, quer teológica quer linguisticamente: debitam uns quantos dogmas e postulados avulsos com o crivo interpretativo e certificado de manipulação do seu patrono e fundador, Joseph Smith (um dos muitos charlatães que abundam na história e que afirmaram ter tido visões místicas), e mal articulam uma frase completa em português decente ou, pelo menos, aceitável.
Muito embora fosse eu o interpelado e o objecto de ensinamento catequético, o que sucedeu foi o inverso: eu é que lhes expus a minha perspectiva face à questão religiosa que os move, argumentando a favor do ateismo que defendo e interrogando-os sobre o sentido da crença fideísta, particularmente a cristã. Ou seja, o papel de chato acabei por ser eu a desempenhá-lo, e não os coitados "elders", convertidos inadvertidamente por mim à situação de passivos ouvintes. Depois de uma boa meia hora de conversa, lá nos despedimos com amizade.
Tal como os impertinentes mosquitos nas noites cálidas de Verão, há um qualquer movimento de atracção que impele até mim estas criaturas que deambulam pelas ruas, não em busca de sangue para sugar, como os ditos insectos, mas de potenciais sangrias/fraquezas espirituais que se deixem enredar pelo viscoso marketing religioso que vendem sob a forma de bíblia ou livro doutrinário. Afinal, tudo tem um preço, mesmo que seja garantir uma qualquer assoalhada no edénico local de origem e paraíso eterno...
Porém, será legítimo este procedimento publicitário? O que se trata é de procurar promover e vender um produto em plena via pública, sem alvará de licenciamento, sem estabelecimento próprio constituído e sem recibo! Não configurará esta situação uma prática ilegal? Se existisse, o que pensaria Deus a propósito disto?

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quarta-feira, abril 05, 2006

Angola é nossa!

Lá foi o primeiro-ministro visitar Angola durante três dias, esse filão africano que tanto pode ainda render. Por conseguinte, na comitiva embarcaram também muitos dos pesos-pesados da nossa economia (juntos representam um terço do PIB nacional): CGD, BCP, BES, BPI, BPN, BPP, TAP, MotaEngil, OPCA, Soares da Costa, Teixeira Duarte, Sonae, Unicer, Central de Cervejas, Compal, Delta, Sumol, Sogrape, Amorim, Vila Galé...
Esperando que tenham cabido todos no avião e que, por cá, não se concretize, a bem da produtividade, o aforismo que diz: "Patrão fora, dia santo na loja", é naturalmente desejável que esta seja uma boa oportunidade para Portugal fazer bons negócios. E oxalá também que, durante a viagem, a ingente concentração e o contacto de proximidade de tanto poder económico junto do governo não favoreça a ideia de um CPE à portuguesa...
Faço votos de que políticos e empresários sejam bem sucedidos nesta embaixada, o que, creio, com algum tacto estratégico e habilidade negocial, não será difícil. Afinal, trata-se de Angola, um país tão querido da nossa classe dirigente, prova da nossa humana tolerância face a um regime corrupto e ditatorial até à medula, em que a autocracia se mascara de democracia. Com tanta medalha e comenda atribuída por aqui pelos Presidentes da República, até parece incrível como o nepotismo de José Eduardo "Dinossáurio" dos Santos não foi ainda agraciado com uma qualquer Ordem. Mas enquanto há vida há esperança: mais 30 anos no poder darão certamente ao presidente angolano tão sentida homenagem de luzidio cromado a cintilar no peito!

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Nem parece de lusitana cepa

De acordo com a Sociedade Ponto Verde, em 2005 os portugueses deixaram nos ecopontos 348 mil toneladas de materiais, ultrapassando assim as cotas impostas pela União Europeia relativas a material reciclado, que deve representar 25% do total da produção de embalagens e 15% dos outros materiais - Portugal alcançou o valor de 39% no ano passado.
Neste rectângulo ibérico ainda nos vamos dando alguns motivos de orgulho e satisfação por boas práticas e melhores costumes!

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terça-feira, abril 04, 2006

McIngratidão ou talvez não?



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CPE - Chirac Promulga Exploração

O actual paradigma económico mundial é de tal modo hegemónico que parece não haver qualquer alternativa efectiva e credível à prática ultraliberal que tem caracterizado a cultura política dos últimos dois séculos. Isto apesar do recrudescimento das desigualdades sociais que tal paradigma tem gerado e agravado, ao ponto de a globalização subalternizar agressivamente a dinâmica decisória inerente à autonomia e independência próprias dos Estados que se regem por parâmetros de soberania e democraticidade.
O Contrato Primeiro Emprego (CPE), promulgado na sexta-feira por Jacques Chirac, é um dos últimos exemplos mais flagrantes do espezinhamento de direitos sociais básicos a que a ofensiva lógica capitalista tem conduzido. O governo de um dos países europeus do G8 (ou será G7+1?) ser autor de legislação que cede escandalosamente a pressões do empresariado é um acontecimento triste e preocupante, pois o Estado francês sacrifica o interesse geral ao interesse de uns poucos. Permitir às empresas o direito de, nos primeiros dois anos de contrato, despedir um empregado com menos de 26 anos, e ainda por cima sem necessitar de dar explicações para a quebra desse contrato, é uma decisão inqualificável e de uma atroz hipocrisia: hipócrita porque, em nome do combate ao desemprego dos mais jovens (e que belo exemplo se dá com isso aos mais novos!), o que se potenciará é a irreversível e inexorável maior precariedade do emprego; e inqualificável porque, no limite, vai levar a uma moderna escravização assente na submissão dos jovens (des)empregados que, a troco de baixos salários, tudo terão que fazer para agradar à entidade empregadora, e mesmo assim sem garantia alguma de futura empregabilidade. E isentar a empresa da obrigação de dar satisfações das razões do despedimento é a cereja em cima deste bolo envenenado, que mostra mais uma vez à saciedade o destino de exclusão e empobrecimento a que este modelo de desenvolvimento conduz.
Tanta exigência e obsessão pela competitividade ainda vai levar a um colectivo colapso cardíaco...
O direito ao trabalho não se compadece com políticas de feroz capitalismo, nem a inquestionável necessidade de flexibilização do código de trabalho deve ser a espada na cabeça dos Dâmocles que têm de se sujeitar e submeter a sacrifícios injustificáveis e socialmente criminosos. É isto a esquerda e a direita moderadas e modernas? Mais facilmente entra um hipopótamo no buraco de uma agulha que um Chirac no reino dos céus...

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segunda-feira, abril 03, 2006

«Políticos, Caciques e Outros Anátemas» - 6º Acto


Uma das vantagens de ser ministro em Portugal parece ser a possibilidade que dá de se poder demonstrar ser um bondoso progenitor. Depois de Martins da Cruz, que deus o tenha!, é agora a vez de o papá Alberto Costa, por acaso ministro da Justiça - e que Justiça! -, vislumbrar vocação informática na licenciada sua filha, a troco de uns três mil e poucos euros. Afinal, trata-se de uma tarefa particularmente exigente e os candidatos não devem abundar por aí...
Assim vai este país melhorar a olhos vistos, pois nada resiste a um governo tão moralizador e justiceiro. É tudo muito simplex!

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Ide parir em Espanha!

No âmbito da tempestade propagandística com que o governo tem assolado o país, anunciando uma plêiade de medidas que presumivelmente visam a reforma da administração pública e a reestruturação dos serviços prestados pelo Estado, encontra-se uma decisão que me deixa perplexo e que, como português, só me pode envergonhar. Se há escolas do 1º ciclo que vão justificadamente fechar (mas não deviam ser tantas quantas as divulgadas, pois os critérios uniformes e apertados, que foram adoptados, não discriminam positivamente especificidades regionais e geográficas que mereciam ser tidas em conta), o encerramento de alguns estabelecimentos hospitalares revela também que o controlo do défice se vai continuar a fazer sem olhar a outras prioridades que não as de ordem meramente economicista.
Sendo um preceito consagrado na Constituição, cabe ao Estado garantir a existência de um serviço nacional de saúde. Encerrar maternidades como a de Elvas constitui não só uma perda de direitos dessa população, com laivos de inconstitucionalidade, como igualmente um claro e indesculpável retrocesso civilizacional. Este governo faz exactamente o contrário do que deveria, fazendo com que, de futuro, cada vez mais portugueses tenham naturalidade espanhola, o que fere a idoneidade e a dignidade da nossa autonomia e soberania e pode cimentar irreversivelmente as já graves assimetrias económicas, sociais e demográficas entre o litoral e o interior de Portugal, e acentuar o fosso existente ao comprometer o desenvolvimento sustentado de ambos.
Invocar como argumentos o número reduzido de partos e a impossibilidade de assegurar a qualidade dos serviços causada pela dispersão de recursos materiais e humanos, já de si escassos, é a prova provada de duas coisas: i) a obsessão de controlo do défice é prioritária e ii) continuará a ser feita sacrificando os do costume. Há portugueses de 1ª e de 2ª. Porque não investir antes mais na formação universitária em medicina, aumentando o número de vagas (que há décadas é, essa sim, deficitária)? Não será uma aberração um Estado desresponsabilizar-se do facto de restringir os locais onde se pode nascer no seu solo, em condições medicamente assistidas? Pode o Estado exigir aos elvenses (e aos outros portugueses de 2ª também abrangidos com esta infeliz medida) o pagamento dos mesmos impostos que cobra aos portugueses de 1ª? Poderá Elvas (e as outras localidades discriminadas negativamente) orgulhar-se de, daqui a duas gerações, ter como naturais apenas idosos e os que incidental e precocemente nascerem dentro de uma ambulância circulando nas artérias da cidade a caminho do hospital/maternidade mais próximo, ou em outra circunstância análoga?
Faço esta crítica sendo insuspeito, pois, embora trabalhe há oito anos na Beira Interior, depois de dois anos no Alentejo profundo, sou do litoral (resido em Leça da Palmeira) e, por outro lado, tenho a nacionalidade de Camões e não nasci em solo luso, não me sentindo menos português por isso. Simplesmente me repugna que um governo que se diz socialista (o 1 de Abril já foi anteontem!) incentive a centralização e a desertificação, aumentando a tendência para o fluxo populacional e a fixação demográfica no litoral caótico, desordenado e sobrecarregado. E todos sabemos os custos sociais que esse fenómeno migratório implica nos centros urbanos...
De um governo de esquerda espera-se o respeito por padrões de decisão e acção compatíveis com uma ética de serviço público e não a demissão das responsabilidades sociais que tal ética configura e pressupõe. Mas é esta a esquerda neoliberal e moderna, que se diz moderada e nos governa, e na qual arrogantemente José Sócrates vai trauteando: "Ó Elvas, ó Elvas, Badajoz à vista!"

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