segunda-feira, março 31, 2008

A «abertura cubana»

Ventos de mudança sopram em Cuba. Parece que a sucessão no fraternal regime de Havana está a dar frutos, na medida em que Raul Castro tem denotado inédita predisposição para uma maior abertura e flexibilidade políticas a propósito de matérias que estavam ainda proscritas no tempo de Fidel. Com efeito, e sensível às novas tecnologias (terá ele ouvido falar no lusitano «plano tecnológico»?), Raul Castro autorizou ao seu povo o uso de telemóveis, computadores, televisores, vídeos e até - louvado seja! - microondas... Ao contrário de Fidel, o irmão mais novo, qual padroeiro da democracia, não teme a heterodoxia política que se insinua subversivamente por entre as ondas de televisores, de telemóveis nem de microondas! Por outro lado, a altruísta boa vontade e inusitado vanguardismo do mano Raul chegou ao ponto de passar a permitir que os cubanos tenham em Cuba acesso aos hotéis para estrangeiros, que antes lhes estavam vedados.
Atendendo ao pouco invejável poder de compra da generalidade dos compatriotas dos Castro, suspeito que o impacto mais relevante desta medida se faça sentir entre os forasteiros de visita à ilha caribenha: já não precisam estes de ter o incómodo de se ausentarem do hoteleiro conforto, pois nestas paragens de célebre turismo de alcova é restituído às cubanas o direito de frequentar a nacional hotelaria e similares, qual aplicação prática do princípio da montanha e de Maomé. Afinal, não se poderia esperar uma «abertura ao exterior» tão grande e significativa como esta!

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sábado, março 29, 2008

Aprender com os erros

Eu desculpo o Rogério Guimarães, que é apenas um dos muitos milhares de cidadãos eleitores ludibriados em 2005 pela qualidade da propaganda «socratista». Afinal, já todos, alguma vez, comprámos gato por lebre, mas há que não esquecer que os erros cometidos são uma importante fonte de ensinamento e aprendizagem - como diz a sabedoria popular, se à primeira todos podem cair, à segunda só cai quem quer; ou então, se errar é humano, errar muito já não é! Cá estaremos em 2009 para ver até que ponto este dito foi assimilado pela lusa gente...
E eu estou em insuspeita e privilegiada posição para o desculpar, pois - qual justo que liquida a dívida do pecador - conto-me entre uma ínfima minoria de eleitores cujo partido votado, em eleições legislativas, nunca formou governo. Por conseguinte, não preciso de lições de democracia, mesmo que, como é inequivocamente o caso, saiba que é frequente a maioria não ter sempre razão (como bem asseverou Churchill, e porque incontornavelmente tem escolhos e vicissitudes várias, a democracia representativa é apenas o menos mau dos sistemas políticos até hoje concebidos e implementados). No fim de contas, é de saudar sempre o público reconhecimento da subjectiva culpa e dos pessoais equívocos e enganos - isso enquadra-se na contingente imperfeição que humanamente nos cabe viver e mais cego é quem não quer ver!

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quinta-feira, março 27, 2008

Pena que não haja eleições anualmente

Até ontem, José Sócrates persistia em chamar "irresponsáveis" a todos os que, da esquerda à direita, consideravam a actual conjuntura favorável à descida de impostos. Ora, parece que o «inginheiro» se cansou de governar à direita e, sentindo o tempo eleitoral que se avizinha e despertando para a crispação social que se avoluma, anuncia subitamente a baixa de 1% no IVA, contrariando a percepção de irresponsabilidade que alimentou desde o seu primeiro dia de governação - afinal, quem é o irresponsável? Não está o défice das contas públicas tão reduzido hoje como em Janeiro?
E é assim que, acossado pela «alegrista» oposição interna, contestado em massa pela classe média (os grandes mártires do socratismo) e temendo um concorrencial aumento do peso eleitoral do PCP e do BE, Sócrates revela que, à semelhança dos seus antecessores, a política não está honesta e prioritariamente ao serviço do bem comum, mas de estratégias circunstanciais de manutenção do poder. Por isso, ou Sócrates é irresponsável ou, senhoras e senhores, a campanha eleitoral vai começar!

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quarta-feira, março 26, 2008

O que há de bovino na religião

Por imperativos académicos do Mestrado em curso, estou a ler a História do Cristianismo de Carter Lindberg (Teorema, 2007) e, a páginas 34, defronto-me com uma curiosa comparação usada por este autor para explicar a «doutrina»:
"Para usar uma analogia caseira: a doutrina foi entendida vezes demais como uma cerca eléctrica destinada a impedir as vacas eclesiásticas de se extraviarem de casa. Se uma tal vaca eclesiástica é suficientemente louca para se extraviar, será destruída. No reino temporal, até há pouco tempo, a corrente eléctrica era fornecida pelo Estado. Agora, com a separação entre Igreja e Estado, a corrente está desligada e, com o aparecimento do relativismo histórico, as próprias cercas desapareceram, em larga medida. Por conseguinte, talvez seja melhor voltarmos a uma compreensão mais antiga da doutrina como análoga a uma manjedoura, cuja finalidade é juntar o gado fornecendo-lhe comida."
Fiquei seduzido pela acuidade e pertinência desta impensável analogia, pois nunca antes me tinha ocorrido que se pudesse vislumbrar tão sublime bovinidade na crença religiosa. Mas, às vezes, a evidência mais próxima dos olhos é a que mais custa a ver: não surpreende que se associem as emanações doutrinais da fé à vivência acefalamente ruminante e a algo parecido com um campo de concentração. De facto, ainda está para nascer um pastor de homens!

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segunda-feira, março 24, 2008

Primum vivere deinde philosophare - 78

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domingo, março 23, 2008

A «paixão» educativa

O divulgadíssimo incidente que ocorreu há dias numa sala de aula de uma escola portuense (e não é seguramente uma escola que se possa referenciar como socialmente problemática), em que, por causa de um telemóvel, uma professora foi grotescamente desrespeitada na sua integridade física por uma aluna e perante a insolente passividade e complacência de colegas da turma - que se divertiram com o triste espectáculo e um deles teve até a oportunidade de usar o telemóvel para filmar com minúcia de realizador o desenrolar do drama -, ilustra à saciedade o deplorável estado de degradação das rotinas escolares e a preocupante agudização dos conflitos que caracterizam o ambiente relacional de muitas escolas no país. Apesar de as estatísticas registarem um professor agredido por dia e dos casos que têm vindo a público, a sinistra personagem que tutela a Educação teima em debitar a asserção de que "não há clima de violência generalizada na escola", tapando o sol com a peneira da sua má fé, desvergonha e autista arrogância. Acaso alguma singela vez teve a ministra a dignidade e a elevação de dirigir uma palavra de apoio aos docentes maltratados?
Indirectamente, esta ocorrência na Escola Secundária Carolina Michaelis é reflexo da incompetência, da ignorância e da irresponsabilidade políticas dos sucessivos governos, os quais, entre outras coisas, têm simultaneamente fomentado a impunidade discente e desprestigiado a profissão docente e a dignidade do saber, relevando apenas a permissividade e o facilitismo na avaliação dos alunos e o correspondente interesse no sucesso fácil e demagógico. Não é por acaso que, no passado dia 8, quase 2/3 dos professores se manifestaram em Lisboa.
Quem não é professor, ou não trabalha numa escola, desconhece a enorme dificuldade que existe em manter a disciplina na sala de aula e nela exercer com a necessária serenidade a autoridade que a um professor incumbe. Fazê-lo com eficácia implica remar contra uma correntosa maré de maus e contraproducentes hábitos adquiridos na informalidade da educação familiar e comunitária, tantas vezes desestruturada, alienante ou desculpabilizadora. Um crescente número de alunos, das mais variadas proveniências sócio-económicas, evidencia indiferença e desrespeito por regras elementares de convivencialidade entre pares e para com os adultos; pelo contrário, chegam a adoptar ostensivamente comportamentos de grave e perturbadora incivilidade (insultos permanentes, linguagem gratuitamente eivada dos vocábulos brejeiros que escutam dos seus agentes de socialização, incompreensão dos normativos internos, etc.), tornando a sala de aula - como a de cinema ou a do teatro - numa extensão recreativa do café, da discoteca ou de uma festa de aniversário...
Entretanto, o facto de a professora aqui em apreço - que já está no topo da carreira - só ter feito queixa da aluna após a difusão das imagens na net e nas televisões, é bem elucidativo da opressiva e hostil atmosfera de intimidação que vivem hoje os professores nas escolas, só comparável com os tempos do 24 de Abril. Claro que a docente ofendida revelou falta de bom senso e inaptidão no adequado exercício da autoridade, pois apropriou-se à força de um objecto alheio que não tem legitimidade de confiscar (só os agentes da autoridade têm tal legitimidade e apenas em situações especiais): se tinha razões para agir disciplinarmente sobre a aluna, deveria dar a esta ordem de expulsão da sala de aula e lavrar posteriormente a respectiva participação ao director de turma, pura e simplesmente.
Porém, a inédita desorientação geral por que passa a classe docente até torna compreensível atitudes mais irreflectidas, sobretudo quando, como agora acontece com mais frequência, se descobre que em cada vez mais alunos há uma mariadelurdesrodrigues escondida. E isso não augura nada de bom ao ensino. Neste país, a política educativa é anunciada como uma «paixão», o que até é verdade - é uma «paixão» maior do que a de Cristo e até são mais os mártires que provoca!

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sexta-feira, março 21, 2008

A crucificação da vida

O próximo domingo é o primeiro de lua cheia após o equinócio de Primavera e, segundo o ancestral calendário lunar hebreu, serve de referência para datar a peshac judaica. Por extensão, esse é o dia da Páscoa também celebrado, a seu modo, pelo mundo cristão. No caso particular do catolicismo, é o doutrinal pretexto para a anual repetição de pagãs procissões que profana e sadicamente se replicam entre as culturas contaminadas pela influência do credo papista. Erigir a cruz como símbolo distintivo é de um mau gosto só compaginável com o prazer mórbido de crucificar a vida na vã esperança de irracionais «aléns celestes»...
Mas se as crianças acreditam no Pai Natal, têm os adultos o correspondente direito de acreditar em crísticas ressurreições ou demais paliativos que dulcificam as existenciais agruras. Por isso, os sacrifícios e os pecados (agora com lista ampliada) são uma «crucial» fonte de receitas e um mercado coetâneo da humanidade, um milenar filão a explorar tão intensamente como o petróleo, o gás ou os diamantes.
Só no ano 2228 é que a Páscoa voltará a ser tão temporã como este ano. Porém, é muito provável que ninguém que esteja hoje vivo a vá celebrar - não porque tenha morrido, mas porque, entretanto, Cristo terá regressado triunfantemente apeado numa nuvem, impondo assim a redenção universal aguardada vai para 2000 anos. É tão bonito preservar a criança que há em nós!
Por mim, que depois de morto não terei remissão possível, pois ateu me confesso, vou dando atenção a outras cenas da paixão e a menos austeras gastronomias - que, respeitando a qualidade nutritiva do peixe, não prescindo da sedução da carne. Sensual Páscoa!

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quarta-feira, março 19, 2008

A liberdade de olhos em bico


Só numa ordem mundial aviltante e desonesta se poderá justificar uma escolha tão desonrosa como Pequim para sede dos Jogos Olímpicos de 2008. O despótico regime chinês persiste cruel e impunemente em perpetrar as suas atrocidades étnicas contra o Tibete, a coberto do exasperante medo e do ruidoso silêncio suscitados pela desmedida grandeza económica e geo-demográfica do Império do Meio.
As cenas de violência em Lhasa têm corrido o planeta e são bem a prova objectiva de quão igualmente colossal é o desprezo generalizado pelos Direitos Humanos, o que permite comparar os principais e mais influentes líderes mundiais a inditosas réplicas do cobarde Bush, risíveis títeres que sobrevivem à custa das pútridas conveniências que sempre caracterizaram as relações diplomáticas. E, assim, o suor competitivo dos atletas se sobrepõe ao sangue aflitivo dos monges budistas oprimidos pela vileza imperialista chinesa.
Houvesse nas Olímpiadas a modalidade de luta pela liberdade e pela autodeterminação e os tibetanos seriam dignos ocupantes do áureo primeiro lugar do pódio. Por quanto tempo mais vai a comunidade internacional assobiar para o lado, fingindo que no pasa nada? Os ditadores não são piores do que os democratas que os acobertam!

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terça-feira, março 18, 2008

Novo desmando do Partido Socratista

O Partido Socratista prossegue na senda dos tiques autoritários do chefe Sócrates e mantém-se firme na convicção de que governar à esquerda consiste em abolir elementares direitos sociais e desmantelar por dentro o sector público, fiel à iníqua máxima do «menos Estado, pior Estado». Agora quer o PS estender a sua censória sombra legislativa a âmbitos que atentam vergonhosamente contra o direito à liberdade individual dos jovens de disporem esteticamente do seu corpo.
Nenhuma paternalista razão higiénica justifica a atávica intenção de proibir a aplicação de piercings na língua e de tatuagens permanentes em menores de 18 anos. É este o governo que encerra sumariamente centros de saúde, maternidades, urgências e SAP's e, agora, hipocritamente pretende elaborar legislação conservadora que nem ao CDS lembraria, em nome da garantia da saúde das pessoas.
Nunca me tatuei e não aprecio piercings. Além disso, questiono a beleza de tais adornos corporais, os quais me parecem um artifício primitivo e de gosto duvidoso. Porém, não devem pessoais juízos de valor pôr em causa a liberdade alheia em matérias que só a cada um dizem respeito. Claro que os piercings e as tatuagens são perigosos para a saúde, como o tabaco também o é...
Por este andar, a vocação salazarenta do Partido Socratista deixa de ser disfarçável e, não tarda, ainda nos será imposto um particular código de conduta. A propósito, termino com uma singela sugestão: acaso não se lembrou a bancada parlamentar do PS de proibir os pirralhos menores de idade de roerem as unhas? Afinal, é uma questão de saúde!

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sexta-feira, março 14, 2008

Em ninho de cucos / 18

Nem só de ladaínhas vive o ritual católico e, para quem duvide da sacra importância e santa utilidade social do seu clero, eis agora uma prova do árduo labor místico-introspectivo do Papa Ratzinger e seus apaniguados: numa esforçada tentativa de modernização, a madre igreja romana adicionou meia-dúzia de pecados que vêm engrossar o tradicional rol das sete viciosidades mortais que nos atormentam há mais de 1500 anos e congeminados pela insípida imaginação de Gregório I e seu séquito - meu Deus, como é possível anatemizar a luxúria, a gula ou a preguiça?
Num rasgo de profunda hermenêutica sociológica, a papista instituição aponta o iluminado dedo à pedofilia, à poluição ambiental, ao aborto, ao tráfico de droga, à riqueza desmesurada e à manipulação genética. Por conseguinte, podemos seguramente inferir que, graças à condenação da pedofilia, o inferno vai ficar reforçadamente provido de padres católicos (nem no inferno um pecador ficará em paz!); por outro lado, a transgressão por tráfico e consumo de drogas vem demonstrar a antipatia desta igreja pela concorrencial alienação humana e edificação de paraísos virtuais, não havendo que condescender na partilha de clientela entre deus e a heroína ou a cocaína. Além disso, aprecio particularmente a da poluição ambiental: será desta que se vai, por exemplo, diminuir o consumo de cera e deixar de poluir a atmosfera com incenso queimado e expelido pelas narinas dos turíbulos? Era uma santa ideia...
Claro que sobre o aborto já estamos conversados, pois só há memória de autos-de-fé dirigidos a crianças e adultos, nunca a mulheres grávidas (será?), mesmo que Tomás de Aquino, do alto da sua anafada sapiência, tenha sido contrariado por Pio IX na asserção de que o embrião só ganha alma a partir dos 40 dias de gestação (há contabilidades que deus só revela a certos dignitários, apesar de nos amar por igual). E acerca do opróbrio da riqueza desmesurada, afigura-se plausível crer que a vaticana igreja se vai desfazer do milionário acervo de bens que possui, distribuindo-o pelos pobres de todo o mundo, bem como vai ser comovente testemunhar Bagão Félix, Durão Barroso, Jardim Gonçalves, Cavaco Silva, Santana Lopes, Marcelo Sousa, José Sócrates, Paulo Portas, César das Neves e tutti quanti têm favorecido as assimetrias sociais e económicas e a corrupção da justiça social, em penitente cortejo e sacrificial genuflexão pelo terreiro do shopping de Fátima... Deus tenha dó deles!
E isto só para falar da lusitana raça de pecadores, pois, como refere o sábio monsenhor Gianfranco Girotti (italiano, pois claro), responsável por uma coisa chamada «Tribunal da Penitenciária Apostólica», a globalização trouxe ao pecado uma dimensão social e já não apenas pessoal. Ao pé disto, todos os filmes de terror não passam de inócuos contos infantis!

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quinta-feira, março 13, 2008

Legendar o silêncio icónico (78)

O tubo de escape dá-lhe um toque 3D!
(Será ilusão publicitária ou distracção?)

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Em ninho de cucos / 17

Há uns quinze dias, li uma entrevista daquelas que não são apenas pretexto para promocional divulgação de uma mensagem e fátua exibição do entrevistado, servindo também para revelar a rude estreiteza de horizontes sobre o mundo, a vida, a sociedade e o homem. Refiro-me às declarações de José Policarpo ao semanário «Sol», em que, a dado momento, o luso capataz do Papa asseverou:
"Desde que se quebre o coeficiente de equilíbrio, a sociedade fica aberta a ser ocupada por gente vinda do terror e vinda do Ocidente e do Oriente como diz o Evangelho. O que faz com que seja previsível que, dentro de alguns anos, as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural. Como se sabe, já há sociedades europeias a braços com a multiculturalidade e com a dificuldade de harmonia entre as diversas procedências da população, de que por um lado precisamos."
Se terror há, é o do conteúdo ideológico profundamente xenófobo que José Policarpo veicula, sustentado em pressupostos sem fundamento racional, ecuménico e humanista. O cardeal destas paróquias denota uma fervorosa simpatia pelos hediondos ideais de extrema-direita (não será ele filiado no PNR?), segundo os quais há que incrementar o coito que potencie a reprodução da nacional e europeia estirpe contra a «gente vinda do terror», piores que degenerados invasores marcianos, que ousam profanar o reduto cristão que caracteriza o edénico espaço europeu.
Esquece porventura o vaticano delegado que a igreja que representa invadiu, a partir da Europa, o mundo inteiro em evangélico genocídio cultural, impondo a ferro e fogo as suas falsas verdades pelos cinco continentes (e mais houvesse!), cúmplice das mais execráveis prepotências e arbitrariedades que envergonham a dignidade humana? E sente-se agora acossado pelos novos bárbaros que vêm de Oriente e de Ocidente? Até quando vão ter tempo de antena estes canhestros provincianos, para os quais os «estranhos» só devem pisar solo abençoado se for para trabalharem como escravos, "de que por um lado precisamos"? E o respeito pelos católicos de multiculturais paragens?
Antes estivesse esta asséptica gente preocupada com bem mais legítimas preservações, como a do lince ibérico ou da floresta amazónica... Saiba José Policarpo que «a gente vinda do terror», venha de Oriente ou de Ocidente, de Setentrião ou de Meridião, sejam cristãos ou não, são acima de tudo seres humanos tão terráqueos como qualquer papa-hóstia!

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terça-feira, março 11, 2008

Socrática miopia

Não resisto a transcrever aqui aquela que, de entre as que li, considero ser a melhor reflexão publicada por estes dias, a propósito do diferendo que opõe os professores dos ensinos básico e secundário à vergonhosa equipa governamental que os tutela. É um prodígio de clarividência, sensatez e razoabilidade o argumentário usado pelo jornalista Mário Crespo, em coluna de opinião, ontem no JN (os destaques a negrito são meus):
"Maria de Lurdes Rodrigues não tem condições para continuar a gerir o sistema de educação em Portugal. Porque já não é eficaz nessa função. Porque é um facto insofismável que o pessoal que ela administra não aceita a sua administração. Isso esvazia de conteúdo as suas funções. Já não está em causa a eficácia da sua política. A questão é que ela não vai conseguir implementar as boas ideias que tem, nem impor as más. O argumento de a manter no cargo para não "desautorizar" o primeiro-ministro é falso e perigoso. Mantendo-a nas funções que desempenha, a desautorização do governo de Sócrates é constante. Chegou a altura de ver que isso é mau para os alunos. Só podem ser eles quem está em causa. Não pode haver razões de defesa de imagem política que justifiquem esta intransigência porque a manutenção de um percurso de imposição administrativa começa a ser um risco de segurança nacional. É péssimo para o quotidiano escolar ter um sistema totalmente desautorizado com professores a desafiarem o governo e o governo a desautorizar-se em frémitos de afirmação de voluntarismo vazio. Da necessidade de reformas sabe-se com fundamento científico desde o trabalho de Ana Benavente, que denunciou que um quarto dos portugueses mal sabia ler e que só dez por cento da população é que entendia completamente aquilo que está escrito. Mas esse estudo tem década e meia e nada de substancial foi feito no entretanto. Por isso, o que está em questão não é a avaliação de professores. Apreciações de desempenho são meros pormenores de gestão de pessoal. O que é preciso, como consta de uma lúcida reflexão dos docentes da Escola Rainha D. Amélia, é fazer a escola cumprir com as suas funções na socialização de crianças e jovens. É promover a criação de hábitos de disciplina interiorizados, que se multipliquem depois na vida adulta. Entre Cavaco Silva, o governante confrontado com o estudo de Ana Benavente, e José Sócrates, este processo de calamitosa estupidificação do país não foi interrompido por um projecto lúcido. O governo actuou agora como se o problema estivesse nos docentes e não no sistema de docência e nos curricula. Actuou como se o problema único de Portugal fosse o do excesso de privilégios e não o do defeito de cultura.
E assim as frágeis construções da demagogia política trouxeram, mesmo com a intimidação de PSPs à paisana e processos disciplinares da DREN, uma centena de milhar para as ruas de Lisboa. E o primeiro-ministro mostrou a sua fibra assistindo em silêncio ao martírio de Maria de Lurdes Rodrigues, que se desdobrou nas TVs a tentar demonstrar o indemonstrável axioma socrático que a sua política é infalível e o défice de compreensão é do país. A resposta de Sócrates foi a de marcar uma manifestação de desagravo para o Porto. Primeiro era para ser na rua, depois numa praça, depois num pavilhão e vai sempre soar a falso no clamor sem fim das turbas dos indignados. Foi um contra-ataque ridículo no meio de muito comportamento bizarro. O Professor Augusto Santos Silva protagonizou o momento de infelicidade quando em Chaves quis assinalar os três anos de governação numa espécie de estágio para o anunciado comício do desagravo. Foi vaiado. Ripostou tentando conjurar os seus Manes. Invocou os nomes dos pais fundadores, dos velhos companheiros que diz serem os seus da luta que diz ser a sua. Salgado Zenha, Mário Soares e Manuel Alegre. E nenhum lhe respondeu. Tentou depois o exorcismo, amaldiçoando os seus demónios pessoais, os grandes e os mais pequenos. Álvaro Cunhal e Mário Nogueira. E nenhum lhe respondeu. Ouviu vaias cada vez mais altas e a voz embargou-se e disse: "eu não me calo... eles calam-se primeiro que eu." Depois repetiu, baixinho, como que a querer convencer-se: "...eles calam-se primeiro que eu". E não se calaram. Ao ouvir na Antena 1 este terrível registo de desgovernação, só me ocorreram as sábias palavras de Juan Carlos para o tiranete venezuelano: «por que no te callas»."
Como se vê, Portugal está entregue à socrática miopia de uns bichos raivosos! Até quando?

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domingo, março 09, 2008

Legendar o silêncio icónico (77)

Ó sr. inginheiro Zé Sócrates, viu os 100.000 «comunas» no Terreiro do Paço?
(Há governos cegos e surdos, mas a mentira não os torna mudos!)


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sexta-feira, março 07, 2008

Ipsis verbis [12]

"Suponhamos que vejo diante de nós uma rapariga de modos masculinos. Um ente humano vulgar dirá dela, «Aquela rapariga parece um rapaz». Um outro ente humano vulgar, já mais próximo da consciência de que falar é dizer, dirá dela, «Aquela rapariga é um rapaz». Outro ainda, igualmente consciente dos deveres da expressão, mas mais animado do afecto pela concisão, que é a luxúria do pensamento, dirá dela, «Aquele rapaz». Eu direi, «Aquela rapaz», violando a mais elementar das regras da gramática, que manda que haja concordância de género, como de número, entre a voz substantiva e a adjectiva. E terei dito bem; terei falado em absoluto, fotograficamente, fora da chateza, da norma, e da quotidianidade. Não terei falado: terei dito."

- Fernando Pessoa/Bernardo Soares, Livro do Desassossego, Publ. Europa-América, Mem Martins, 2ª ed., p. 82

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quinta-feira, março 06, 2008

Ou vai ou Rajoy

Avaliado desde este canto peninsular, afigura-se-me claro que o governo espanhol presidido por Rodriguez Zapatero implementou um conjunto de medidas que conduziram a transformações significativas que, entre outros, teve reflexos sociais profundos. Esse relevante facto abalou a Igreja Católica em Espanha, ainda saudosa do franquismo, de que foi esteio e correia de transmissão. Não surpreende, portanto, que a caduca instituição papista, através dos seus conservadores (e bem conservados!) bispos, esteja a tomar público partido a favor do PP na pugna eleitoral em curso.
Este é só mais um dos enésimos exemplos que atestam a maldosa e atávica boçalidade com que os súbditos da vaticana crença convivem com a laicidade e a modernização dos hábitos, usos e costumes, mormente se em causa está o fim do austero rigorismo preconceituoso de medievais ou vitorianas épocas... É lamentável como se persiste na deslocada instrumentalização das falsas proposições que sustentam os falaciosos dogmas, como arma de arremesso político, contra Zapatero e contra outros em outras circunstâncias. A inutilidade social de uma tal organização empresarial obscenamente lucrativa - embora, como lobo em pele de cordeiro, disfarçada de reduto espiritual e soteriológico -, é cada vez mais inequívoca.
Oxalá se confirmem as sondagens e o actual primeiro-ministro seja reeleito; antecipadamente garantido está que Mariano Rajoy será o mais sufragado nas sacristias!

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quarta-feira, março 05, 2008

Ainda se pode salvar a Educação?

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terça-feira, março 04, 2008

Confap e a voz do dono

Quem conhecer suficientemente os meandros em que se desenrola o pulsar quotidiano da vida de uma escola e, sendo embora professor no activo, pauta o seu desempenho profissional sem inclinações corporativistas, sabe que o novo regime de avaliação do desempenho docente que o governo quer impor é irrealista, injusto e, sobretudo, tem o efeito perverso de destruir o que no plano dos princípios diz querer proteger, como seja distinguir o mérito docente, melhorar a qualidade das aprendizagens, fomentar o sucesso educativo e aspectos afins de costumeira retórica... Não interessa dissecar aqui as razões que sustentam esta opinião - quem analisa racionalmente e de boa fé os argumentos sobre esta matéria já os conhece sobejamente.
O que me surpreende é que, perante a escassez e irrelevância de razões válidas de quem defende a posição do Ministério da Educação, haja quem aproveite todas as oportunidades para publicamente fazer valer o ponto de vista da ministra e, aparentemente, não tem qualquer ligação partidária com o PS. Mais surpreendente ainda é se tal apologia vem de um representante da Confap, que diz representar a generalidade dos pais e encarregados de educação, os quais deviam estar tão preocupados como os professores com a iniquidade do sistema de avaliação proposto - Albino Almeida é a pessoa de que falo.
Mas, depois de tomar conhecimento do D.R. nº 210 de, 18/10/2007, e da Declaração nº 285/2007, em que o Ministério da Educação atribuiu à Confap o pagamento de quase €120.000, percebi que o fervor apologético de Albino Almeida corresponde à fidelidade canina com que ele reproduz a voz da dona. Já que não se tem a simpatia dos professores, nada como obter a simpatia de (alguns) pais, mesmo que à custa de dinheiro - a prostituição é mesmo a mais velha profissão do mundo!

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Serviço cívico

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segunda-feira, março 03, 2008

Um luxo chamado «papo-seco»

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Um Porsche não é um carro

O presidente da Câmara de Londres, Ken Livingstone, anunciou que vai aumentar o valor do imposto sobre a circulação dos automóveis mais poluentes no centro da capital inglesa. Vai daí e o representante britânico da Porsche, Andy Goss, deu 14 dias ao edil londrino para reconsiderar a medida inflacionadora e, se a resposta for negativa, avançará em nome da marca alemã para os tribunais.
Neste curioso conflito, inclino-me a tomar o partido do autarca. Porém, não há que apelar a um boicote à compra de viaturas da Porsche - é que, previsivelmente, a adesão não seria maciça!

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