Amanhã, a Assembleia da República vai votar (e certamente reprovar) um projecto de lei sobre o divórcio, da iniciativa do Bloco de Esquerda, o qual defende o direito a que um dos cônjuges possa pedir o divórcio unilateralmente, ou seja, sem ter que existir acordo ou ter que provar a culpa da outra parte (por violência, agressão, bigamia, abandono, afastamento, etc.). Do meu ponto de vista, considero louvável um tal passo no sentido de reforçar a garantia das liberdades individuais, pois o dever associado ao casamento não é mais importante que o bem-estar pessoal e a quebra de vínculo afectivo e passional entre os membros do casal. Deixar de amar não pode ser criminalizado e o Estado não pode dificultar nem impedir a felicidade dos seus cidadãos. O Bloco de Esquerda não descobriu a pólvora, uma vez que esta medida já existe na Alemanha (desde 1976), na Suécia (desde 1987), na Noruega (desde 1991) e na vizinha e conservadora Espanha (desde 2005); e não é por isso que, nestes países, o matrimónio tenha sido desvalorizado. O facto é que se reconhece que, em sociedades cada vez mais tecnológicas e com crescente mobilidade, os novos paradigmas interactivos e comunicacionais geram dinâmicas de convivialidade que têm potenciado o recrudescimento do número de divórcios, muitos dos quais litigiosos e penosamente violentos, física, psicológica e financeiramente.
Hoje, em Portugal, só há hipótese de divórcio não litigioso (não se invoca a culpa do parceiro) sem mútuo consentimento, mediante a separação de facto durante três anos, embora continuem, absurdamente, casadas para efeitos patrimoniais, fiscais e pessoais. O casamento não tem de ser um contrato vitalício, porque a lógica dos sentimentos pode não ter a duração e é distinta da lógica de imperativas obrigações contratuais. Será aceitável impor a alguém uma tal situação, ao longo de três penosos anos, dificultando complementarmente que possa refazer a sua vida sentimental?
O projecto do Bloco de Esquerda define que o tribunal julgue em matéria de pensões, mas abstraindo da culpabilidade e relevando a necessidade e o contributo (financeiro ou outro) de cada cônjuge ao longo da vigência do casamento. Por outro lado, a divisão de bens e a regulação do poder paternal são tratados autonomamente, não servindo de instrumento de pressão para aceitar ou não o divórcio, o que evita a vileza de chantagens e a lavagem de roupa suja. Assim, se este projecto fosse aprovado, toda a carga dramática de um tal processo seria, no mínimo, atenuado.
A proposta de divórcio unilateral é "divórcio a pedido", mas, suponho, não é o casamento igualmente a pedido? E não se trata de "divórcio na hora", visto se exigir a realização de duas conferências de conciliação que dissipem as dúvidas e as hesitações acerca da (in)viabilidade do casamento. Por conseguinte, não se trata de facilitar excessivamente o divórcio, mas humanamente reconhecer que a normalidade, a harmonia e a serenidade numa relação íntima entre um casal desavindo (em que, pelo menos, uma das partes deixa de se rever nesse casamento) deixa de ser possível. Pois como pode um casamento sobreviver saudavelmente contra a vontade de um dos elementos? Não será penoso a um cônjuge, que não queira continuar casado, ter que imputar ao outro uma culpa? Não será o fracasso de um casamento, quando «já não tem pernas para andar», causa suficiente para a sua recomendável dissolução?
Suspeito que, entre as vozes dos que hoje se opõem ao divórcio unilateral, estariam os primeiros a querer beneficiar dele à primeira oportunidade! O que se pede é a justa sensibilidade e o racional bom senso; mas o que, antevejo, não se vai corrigir é o irracional preconceito!
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